Seca histórica na Amazônia ameaça liberar o carbono estocado

Imagem de um rio bem raso e estreito ilustra o post cujo título diz que seca histórica na Amazônia ameaça liberar o carbono estocado
A seca na Amazônia tem afetado o nível do Rio Negro. Imagem: André Coelho/EPA/New Atlas/Reprodução.
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Enquanto líderes mundiais e seus negociadores climáticos se reuniam no início da Cúpula do Clima COP28, em Dubai, o Brasil vivia uma seca sem precedentes na Amazônia. Com isso, os cientistas temem que ela possa liberar bilhões de toneladas adicionais de carbono na atmosfera.

Philip Fearnside é um ecologista que passou 45 anos vivendo e estudando a Amazônia em busca das causas da seca, o porquê dela ser tão perigosa para o planeta e o que pode ser feito para proteger a floresta tropical.

Fearnside mora na capital do estado do Amazonas, Manaus – cidade que tem cerca de dois milhões de habitantes. Professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), ele explica que, neste momento, a região sofre com uma seca severa e sem precedentes.

“É o menor nível de água em Manaus desde que os dados começaram a ser registrados, em 1902, ou seja, há 121 anos. As árvores estão morrendo. Há uma árvore grande no meu quintal que morreu de um dia para o outro”, diz ele.

A seca também provoca incêndios, com a fumaça fazendo com que os níveis de poluição em Manaus aumentem. Em outros lugares, o leito do rio Amazonas está sendo exposto, dificultando a vida das pessoas que vivem e trabalham no entorno do rio. Os animais também estão sofrendo: em setembro, 150 botos foram encontrados mortos no Lago Tefé, local em que a temperatura da água chegou a 39°C.

Fearnside explica que a seca é causada por três fatores interligados. Dois são os padrões climáticos do El Niño causados pela água quente no Oceano Pacífico central e oriental. O terceiro é o chamado dipolo do Atlântico: uma mancha de água quente no Oceano Atlântico Norte que, combinada com a água mais fria do Atlântico Sul, afeta os padrões de chuva na Amazônia.

“Não será antes de maio ou junho para que a probabilidade de ter uma temperatura normal da água no centro do Oceano Pacífico possa passar de pelo menos 50%… então, teremos pela frente um longo tempo com secas”.

Embora seja difícil identificar como mudanças climáticas a causa dessa seca em particular, Fearnside diz que a frequência de El Niños e dipolos do Atlântico “é muito maior por conta da mudança do clima“.

Ponto de inflexão climática

A Amazônia detém enormes reservas de carbono. Somente suas árvores armazenam cerca de 80 bilhões de toneladas de carbono, com outros 90 bilhões no primeiro metro de solo. Fearnside compara isso a uma bomba latente que poderia explodir sem querer, porque as secas e os incêndios florestais poderiam destruir esses estoques de carbono e liberar mais CO2 na atmosfera.

“Todo mundo ouve falar sobre quanto desmatamento acontece todos os anos e a emissão de gases de efeito estufa, mas não se fala tanto sobre o grande estoque de carbono que não está sendo emitido. E essa pode ser realmente a gota d’água em termos de clima global. Apenas uma fração disso indo para a atmosfera no espaço de poucos anos poderia empurrar o clima para além do ponto de inflexão. Então é essencial não deixar isso acontecer”.

Para os negociadores da cúpula climática presentes na COP28, Fearnside tem uma mensagem: a de que é óbvio que o uso de combustíveis fósseis deve ser reduzido imediatamente e “eventualmente eliminado”.

Para o Brasil, Fearnside diz que o governo não deve expandir novos campos de gás e petróleo na foz do rio Amazonas e que tem que trabalhar de forma conjunta para eliminar todo o desmatamento na Amazônia até sua meta declarada de 2030.  

Artigo original (em inglês) publicado por Gemma Ware na The Conversation UK.


Sobre a autora
Gemma Ware chefia a área de áudio na The Conversation em Londres e também é coprodutora e editora do podcast The Conversation Weekly. Na mesma empresa, ela já trabalhou nas seções de política internacional, sociedade e educação.

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