Equilíbrio entre oferta e demanda de energia

Foto de uma cidade toda iluminada sugerindo alta demanda por energia elétrica
População urbana demanda alto consumo energético. Foto: Igor Mattio/Pixabay

Desde que o homem controlou o fogo, há 400 mil anos1, a demanda de energia passou a exercer um papel importante para sua sobrevivência e para o avanço da civilização. O domínio e uso de formas existentes de energia foram fundamentais para o progresso econômico e social de países desenvolvidos.

O alto padrão de vida alcançado por sociedades evoluídas está diretamente ligado não somente à produção e ao consumo, mas também à qualidade e quantidade de energia que as pessoas têm disponíveis para o desempenho de suas atividades diárias2.

A partir do momento em que ocorreu o domínio do fogo, provavelmente através da queima de algum tipo de biomassa vegetal, talvez madeira extraída de árvores3, o homem começou a diversificar o alimento que ingeria – frutas e raízes, por exemplo – incluindo também em seu cardápio produtos de suas caças que poderiam ser comidos assados.

Carne de animal em espetos de madeira sendo assada numa fogueira à noite
Alimento sendo assado na brasa | Foto: Mac231|Pixabay

Entretanto, além da descoberta de uma nova forma de ingerir o alimento, o fogo também proporcionou o conforto do aquecimento, cuja ausência nos impossibilita viver em regiões gélidas.

Desde então, a condição humana evoluiu até chegar aos dias de hoje, em que a demanda por energia inclui, entre outras, o uso da eletricidade para a produção de alimentos, aquecimento ou refrigeração e iluminação.

Assim, o acesso à energia torna-se fundamental para os seres humanos. Diante de tal prerrogativa, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu – através da Resolução A/RES/70/1, de 25 de setembro de 2015 – 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Dentre eles, o ODS 7 sugere que todos possam fazer uso de uma energia que seja “confiável, sustentável, moderna e acessível” para que suas necessidades básicas sejam garantidas.

O acesso universal à energia para suprir essas necessidades é considerado pela ONU um direito da humanidade. Entretanto, tais necessidades requerem uma quantidade muito grande de energia que pode não ser disponibilizada a um preço acessível para a população de países pobres.

Há outras variáveis que também podem dificultar o acesso desse grupo à energia, tais como problemas geopolíticos e os efeitos globais causados por crises energéticas. Além disso, a alta volatilidade nos preços dos combustíveis fósseis também pode afetar boa parte dos países em desenvolvimento e de outros já desenvolvidos4.

Risco de não haver oferta suficiente para suprir a demanda de energia

A forte industrialização dos países desenvolvidos nas últimas três décadas, aliada ao crescimento econômico dos que estão em desenvolvimento, mesmo que de uma forma mais moderada após a crise financeira de 2008, fez a demanda por energia crescer mais nos países cuja população é grande e, sobretudo, urbana.

Da mesma forma, o rápido crescimento populacional e a globalização fizeram o consumo energético aumentar exponencialmente, trazendo consigo problemas ambientais que podem comprometer o futuro das próximas gerações5,6.

O aumento da renda per capita resultou em um crescimento (também per capita) do consumo energético porque mais pessoas alteraram seus estilos de vida ao terem acesso a veículos motorizados, aparelhos de TV e rádio, entre outros eletroeletrônicos que demandam energia.

Um estudo recente7 diz que no Brasil – segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – 35 milhões de pessoas aumentaram seus padrões de consumo em um período de dez anos por conta do aumento de renda.

Tal mudança de patamar resultou também em mudança no estilo de vida e, consequentemente, em maior consumo energético, uma vez que esse contingente passou a ter acesso a novos produtos e serviços aos quais não tinha antes.

Da mesma forma, o avanço populacional que acontece num ritmo exponencial torna-se aparentemente impossível de sustentar. Atualmente, mais da metade da população global já é urbana – era 16% em 19008.

Se o aumento do consumo energético global também seguir no mesmo ritmo, corre-se o risco de não haver energia suficiente para suprir essa demanda, sobretudo dos países em desenvolvimento, nos quais a falta de eletricidade pode se agravar9.

Consequências de um aumento no consumo de energia

Na Europa, um estudo sugere que o consumo energético representa 70% das emissões dos gases de efeito estufa (GEEs) e que a eletricidade é responsável por mais emissões desses gases do que as emitidas por qualquer outro setor10. Sendo assim, o consumo de eletricidade exerce um papel fundamental tanto para a adaptação às mudanças climáticas quanto para a mitigação de tais emissões11.

Convém mencionar que as emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera terrestre já atingiram níveis bem altos recentemente, ultrapassando a marca histórica de 400 partes por milhão12,13 (ou 400 ppm), em maio de 2013. Em maio de 2021 o pico da média global chegou a quase 420 ppm14.

Se tais níveis de concentração persistirem, eles podem provocar um aumento de mais de dois graus centígrados na temperatura média de nosso planeta.

As consequências serão o aumento do nível do mar e de eventos extremos no clima em níveis nunca vistos antes12, como tempestades violentas, alagamentos colossais, secas implacáveis e incêndios espontâneos aparentemente impossíveis de se controlar, como os que normalmente ocorrem todos os anos na Califórnia, por exemplo.

Visão noturna de uma colina pegando fogo ao lado de casas residenciais
Incêndio aparentemente incontrolável ameaça residências | Foto: Michael Held/Unsplash

Nesse ponto, a temperatura se constitui no maior determinante para o aumento do consumo de eletricidade, especialmente em períodos muito quentes ou muito frios, em função do uso mais frequente de aparelhos para aquecer ou resfriar um determinado ambiente15.

O uso de condicionadores de ar se tornará crítico, pois aumentará mais rapidamente que o crescimento econômico nos países cuja população vive em climas quentes10. Tal crescimento contribuirá de forma significativa para as emissões dos GEEs, além de levar ao limite a capacidade de suprimento de eletricidade nos períodos de pico.

Da mesma forma, boa parte do crescimento do consumo de eletricidade dos países em desenvolvimento virá do uso de refrigeradores e máquinas de lavar, visto que o mercado de tais aparelhos ainda não está saturado e, portanto, deve aumentar caso aconteça o crescimento econômico previsto para as próximas décadas10.

Como evitar desequilíbrio entre oferta e demanda de energia

Para evitar um grande desequilíbrio entre a oferta e a demanda de energia, será preciso que ocorram mudanças comportamentais e de estilo de vida da população como um todo, principalmente a que vive em áreas urbanas8. Possíveis mudanças comportamentais e de estilo de vida incluem:

• Uso mais racional do veículo particular motorizado, trocando-o pelo transporte público nos dias de semana para ir ao trabalho
• Mudança no padrão de consumo energético
• Troca dos aparelhos de uso doméstico que consomem muita energia por outros de consumo mais eficiente e que tenham o selo de eficiência energética
• Redução drástica no desperdício de energia
• Substituição de lâmpadas incandescentes tradicionais por modelos eficientes e de baixo consumo, como as fluorescentes compactas (CFL) ou as lâmpadas LED9,16

O Departamento de Energia dos Estados Unidos diz que lâmpadas CFL usam 75% menos energia e duram até 10 vezes mais do que as incandescentes tradicionais17.

Um estudo18 aponta que o setor residencial tem potencial significativo para reduzir emissões de carbono lançadas na atmosfera e proporcionar maiores retornos sociais sobre o investimento realizado com tecnologias – apoiadas por políticas públicas – que promovam o uso eficiente de energia nesse setor, sobretudo nos campos da construção e iluminação.

Além de mudanças comportamentais por parte da população, será preciso haver também a participação do governo com relação à criação e promulgação de políticas públicas19.

Tais políticas devem ser concebidas para que possam promover o uso de combustíveis renováveis, incentivar um menor consumo energético13 e estimular o engajamento de empresas na produção de bens que consumam energia de maneira mais eficiente.

Nesse sentido, governo e empresas também podem adotar outras medidas para limitar em 2°C o aumento no longo prazo da temperatura média global. Por exemplo, limitar a construção e uso de usinas movidas a carvão que sejam menos eficientes, minimizar as emissões de metano, acelerar o uso de novas tecnologias, tipo smartgrids e, sobretudo, não oferecer subsídios para combustíveis fósseis.

É de suma importância para evitar um futuro desequilíbrio entre oferta e demanda de energia, e para a mitigação das mudanças climáticas e proteção ambiental de forma geral, que haja um incremento considerável na eficiência energética20.

Como a população mundial continua aumentando e a renda média continua crescendo, a combinação de ambos pode resultar numa energia mais cara e, portanto, inacessível para boa parte da população de países em desenvolvimento.

Por outro lado, se o desenvolvimento socioeconômico fizer com que economias emergentes passem a ter um patamar de consumo energético parecido com o de economias desenvolvidas, o consumo energético mundial (per capita) aumentaria em pelo menos 33%, resultando em um cenário aparentemente insustentável7.

Portanto, o grande desafio do mundo será o de fazer a transição para um futuro de energia sustentável, no qual haja uma mudança com relação ao modo como ela é fornecida e também como ela é consumida21.

Nesse sentido, políticas públicas voltadas para a área ambiental serão de grande importância se implementadas no sentido de promover o crescimento sustentável do país, através de uma economia verde que use os recursos naturais de forma racional e eficiente22,23,24, sobretudo nos países em desenvolvimento, onde a demanda por energia crescerá cada vez mais.

Referências

[1] Bowman, D. et al. Fire in the Earth System. Science 324 (5926) 481–484, 2009.

[2] Williams, J. History of energy. In: Scientists and the Franklin Institute: Making their cases. Philadelphia: The Franklin Institute, 2006.

[3] Tofaneli, L. In: Exler, R.; Teixeira, L.; Sampaio, L. (Org). Bioenergia: um diálogo renovável. Salvador: VentoLeste, 2014. v. 3, 150 p.

[4] Aviles, L. Electric energy access in European Union law: a human right? The Columbia Journal of European Law Online, 2014.

[5] Sánchez-Oro et al. Robust total energy demand estimation with a hybrid Variable Neighborhood Search. Energy Conversion and Management (123) 445–452, 2016.

[6] Pelletier et al. Energy Intensity of Agriculture and Food Systems. Annual Reviews Environment Resources (36) 223–246, 2011.

[7] Abreu et al. Household energy consumption behaviors in developing countries. Energy for Sustainable Development (62) 1–15, 2021.

[8] Ellis, E. et al. Used planet: a global history. PNAS 110 (20) 7978–7985, 2013.

[9] Aman, M. et al. Analysis of the performance of domestic lighting lamps. Energy Policy (52) 482–500, 2013.

[10] McNeil, M.; Letschert, V. Modeling diffusion of electrical appliances in the residential sector. Energy and Buildings (42) 783–790, 2010.

[11] Damm, A. et al. Impacts of +2˚C global warming on electricity demand in Europe. Climate Services (7) 12–30, 2017.

[12] IEA – International Energy Agency. Redrawing the Energy-Climate Map. World Energy Outlook Special Report. Paris: IEA, 2013.

[13] Harvey, L. Recent Advances in Sustainable Buildings. Annual Review of Environment and Resources (38) 281–309, 2013.

[14] NOAA. National Oceanic and Atmospheric Administration. NOAA Research News. Carbon dioxide peaks near 420 parts per million at Mauna Loa observatory. June 7, 2021.

[15] Craig, C. Energy consumption, energy efficiency, and consumer perceptions. Applied Energy (165) 660–669, 2016.

[16] Reynolds, T. Consumer preferences and willingness to pay for compact fluorescent lighting. Energy Policy (41) 712–722, 2012.

[17] DOE – Department of Energy, USA. Energy Saver Guide: Tips on Saving Money and Energy at Home, 2014.

[18] Girod et al. How do policies for efficient energy use in the household sector induce energy-efficiency innovation? Energy Policy (103) 223–237, 2017.

[19] Geller, H. et al. Policies for advancing energy efficiency and renewable energy use in Brazil. Energy Policy (32) 1437–1450, 2004.

[20] Fleiter, T. et al. Barriers to energy efficiency in industrial bottom-up energy demand models. Renewable and Sustainable Energy Reviews (15) 3099–3111, 2011.

[21] InterAcademy Council. Um futuro com energia sustentável: iluminando o caminho. São Paulo: FAPESP; Amsterdam: InterAcademy Council; Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 2010. 300 p.

[22] Schaeffer, R. et al. Energia e economia verde: cenários futuros e políticas públicas. Rio de Janeiro: FBDS, 2012. 56 p.

[23] Horta Nogueira, L.A.; Costa, J.C. Opções tecnológicas em energia: uma visão brasileira. Rio de Janeiro: FBDS, 2012. 52 p.

[24] Lucon, O.; Goldemberg, J. Diretrizes para uma economia verde no Brasil ll: energia. Rio de Janeiro: FBDS, 2013. 40 p.

Nota: Uma versão mais resumida deste artigo sobre oferta e demanda de energia foi publicada pela Sustenare na forma de post, sob o título: “Avanço populacional pode afetar a oferta de energia elétrica“.

Sobre o autor | Fernando Oliveira

Foto Fernando


Fernando é o fundador e editor da Sustenare. Ele é administrador de empresas, cientista da computação e doutor em energia pela Universidade de São Paulo (USP). Fernando morou nos Estados Unidos por dez anos, país onde cursou universidade e trabalhou por igual período para empresas de tecnologia e do ramo editorial.

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Outros artigos sobre biodiesel e políticas públicas publicados por Fernando Oliveira (em inglês):
History, evolution, and environmental impact of biodiesel in Brazil: A review
The Brazilian social fuel stamp program: Few strikes, many bloopers and stumbles
Biodiesel in Brazil Should Take Off with the Newly Introduced Domestic Biofuels Policy: RenovaBio
From Kyoto to Paris: Measuring renewable energy policy regimes in Argentina, Brazil, Canada, Mexico and the United States

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