A tecnologia rouba seu tempo de formas que você pode não notar

Imagem de uma mulher sentada numa cama e mexendo em laptop aberto para ilustrar artigo cujo título diz que a tecnologia rouba seu tempo de formas que você pode não notar.
A tecnologia está tomando conta de nosso tempo e contribuindo para uma forma de vida mais densa. Foto: Andrew Neel/Unsplash.

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Presumivelmente, a tecnologia é para facilitar nossas vidas. Os smartphones abrem para o mundo uma janela do tamanho da palma da mão, permitindo-nos fazer quase tudo com o toque de um botão. As casas inteligentes cuidam de si mesmas, e as reuniões virtuais significam que, para muitos, o tempo gasto no deslocamento é coisa do passado.

Portanto, deveríamos ter mais tempo livre. Tempo que agora é gasto dormindo, relaxando ou simplesmente não fazendo nada – certo?

Se a ideia de que você tem mais tempo do que nunca te faz engasgar com seu próprio café, você não está sozinha. Há evidências crescentes de que, embora a tecnologia digital possa nos ajudar a economizar algum tempo, acabamos usando esse tempo para fazer mais e mais coisas.

Recentemente, entrevistamos 300 pessoas em toda a Europa para perceber como elas utilizavam os dispositivos digitais no dia-a-dia. Esta pesquisa mostrou que as pessoas querem evitar períodos vazios de tempo em suas vidas, então preenchem esses períodos realizando tarefas, algumas das quais não seriam possíveis sem a tecnologia.

Seja esperando por um ônibus, acordando de manhã ou deitado na cama à noite, nossos participantes relataram que o tempo que antes seria “vazio” agora foi preenchido com aplicativos de treinamento cerebral, criando listas de coisas que eles deveriam fazer ou tentar com base em seus feeds de mídia social e outros administradores da vida.

Parece que os momentos tranquilos de pessoas assistindo, imaginando e sonhando acordadas agora estão cheios de tarefas baseadas em tecnologia.

O crescimento das tarefas digitais está acontecendo, em parte, porque a tecnologia parece estar mudando nossa percepção do que é o tempo livre. Para muitas pessoas, já não basta simplesmente jantar, ver televisão ou talvez fazer uma aula de ginástica.

Em vez disso, na tentativa de evitar perda de tempo, essas atividades são realizadas enquanto também navegam na web em busca dos ingredientes para uma vida mais perfeita e tentando desenvolver um senso de realização.

Diante disso, algumas dessas tarefas podem parecer exemplos de tecnologia que nos poupa tempo. Em teoria, o banco online deveria significar que eu teria mais tempo, porque não preciso mais ir ao banco físico no meu horário de almoço. No entanto, nossa pesquisa sugere que esse não é o caso. A tecnologia está contribuindo para uma forma de vida mais densa.

As redes sociais podem, por vezes, inspirar, motivar ou relaxar as pessoas. Mas nossa pesquisa também sugere que as pessoas geralmente percebem uma sensação de culpa, vergonha e arrependimento depois de preencher seu tempo livre com atividades online. Isso ocorre porque elas notam que as atividades online são menos autênticas e valem menos do que as atividades do mundo real.

Parece que as pessoas ainda enxergam o ir passear ou realmente estar com amigos como algo mais valioso do que estar online. Talvez se desligássemos um pouco mais o telefone, teríamos tempo para realmente cozinhar aquelas receitas que assistimos online.

Por que a tecnologia está criando trabalho?

Acredita-se que a mudança dos padrões de trabalho também esteja intensificando o trabalho. O trabalho 100% em casa e o híbrido, possibilitado pela tecnologia de videoconferência, embaçaram as fronteiras entre o tempo de trabalho e o tempo pessoal. Agora que o escritório está no quarto ao lado, é muito fácil pensar: “Vou entrar no estudo e terminar depois de colocar as crianças na cama”.

As tecnologias digitais estão acelerando o ritmo de vida. Considere e-mails e reuniões online. Antes de existirem, tínhamos que esperar por respostas das mensagens de voz e das cartas, ou se deslocar para outros locais só para falar uns com os outros. Em vez disso, agora temos reuniões on-line consecutivas, às vezes sem tempo suficiente no intervalo para sequer ir ao banheiro.

E o e-mail produz um crescimento exponencial nas comunicações, o que significa mais trabalho para ler e responder a tudo isso. A tecnologia mal projetada também pode nos forçar a fazer mais trabalho por causa da ineficiência que ela cria. Todos nós estivemos lá, inserindo informações no sistema A apenas para aprender que, como o sistema A e B não se falam, temos que inserir tudo duas vezes.

Ao fazer mais, podemos acabar conseguindo menos e nos sentindo piores. Na medida em que o tempo se torna mais pressionado, o estresse, a exaustão e o burnout aumentam, resultando numa maior ausência ao trabalho.

Como desaceleramos e recuperamos nosso tempo?

Recobrar o tempo “economizado” pela tecnologia pode exigir uma mudança na forma como proporcionamos o tempo. Para nos libertarmos do hábito de preencher o tempo com mais e mais tarefas, devemos primeiro aceitar que, às vezes, não há problema algum em fazer pouco ou nada.

No ambiente de trabalho, empregadores e colaboradores precisam criar um ambiente no qual a desconexão seja a norma e não a exceção. Isso significa ter expectativas realistas sobre o que pode e deve ser alcançado em um dia normal de trabalho.

Mas desenvolver uma legislação que consagre o direito de se desconectar pode ser a única maneira de garantir que a tecnologia pare de tomar conta do nosso tempo. Vários países europeus, como França e Itália, já têm uma legislação com o direito de desconectar.

Isso especifica que os colaboradores não são obrigados a serem contatados fora de seu horário de trabalho e que eles têm o direito de se recusar a levar para casa o trabalho digital.

Também é possível que a própria tecnologia seja a chave para recuperar nosso tempo. Imagine se, em vez de dizer para você se levantar e se movimentar (mais uma tarefa), seu relógio inteligente dissesse para você parar de trabalhar porque já completou as horas contratadas. Talvez quando a tecnologia começar a nos dizer para fazer menos, finalmente possamos recuperar o tempo.

Artigo original (em inglês) publicado por Ruth Ogden et al. na The Conversation UK.

Sobre as autoras

Ruth Ogden é professora de Psicologia do Tempo, na Liverpool John Moores University.
Joanna Witowska é professora assistente de Psicologia, na Universidade Maria Grzegorzewska.
Vanda Černohorská é pesquisadora e pós-doutoranda da Academia Tcheca de Ciências.

Declaração de Transparência:

Ruth Ogden recebe financiamento da British Academy, do Wellcome Trust, do Economic and Social Research Council (ES/X005321/1), do CHANSE e do Horizon 2020.

Joanna Witowska recebe financiamento do Centro Nacional de Ciência, Polônia, no âmbito do projeto de investigação Experiência TIMe na Era Digital da Europa. O projeto TIMED faz parte do programa CHANSE ERA-NET Co-fund, que recebeu financiamento do Programa de Investigação e Inovação Horizonte 2020, da União Europeia.

Este artigo foi co-escrito por Vanda Černohorská como parte do projeto de fianciamento “TIMED: TIMe experience in Europe’s Digital age” (922027/0500) apoiado pelo CHANSE e coordenado pelo Instituto de Filosofia da Academia Tcheca de Ciências, em Praga.

A Liverpool John Moores University fornece financiamento como membro do The Conversation UK.

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