Nova York entra na justiça contra a JBS por propaganda enganosa

Imagem de um rebanho bovino do tipo Nelore ilustra o post cujo título diz que a cidade de Nova York entra na justiça contra a JBS por propaganda enganosa.
A empresa brasileira JBS é a maior produtora de carne bovina do mundo. Imagem: Erico Júnior/Pixabay.
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Há pouco mais de três anos, a JBS, maior produtora mundial de carne bovina, lançou a campanha “Net Zero até 2040”, prometendo reduzir as emissões climáticas da empresa de forma tão significativa que a JBS poderia reivindicar um equilíbrio de emissões zero até o final das próximas duas décadas.

Nos anos que se seguiram, jornalistas, pesquisadores e até funcionários do governo documentaram as discrepâncias gritantes entre os compromissos da empresa e sua ação. A procuradora-geral do estado de Nova York, Letitia James, entrou com um processo contra a divisão americana da JBS, alegando que o marketing da empresa, como “net zero até 2040” e “bacon, asas de frango e bife com emissões líquidas zero”, [tinha base em] propaganda falsa e enganosa.

Essa ação judicial faz parte de uma tendência crescente de governos que buscam diminuir a distância entre as promessas climáticas feitas por conglomerados globais como a JBS e suas ações corporativas. Dividimos as reivindicações desta ação judicial e o que isso pode representar para o futuro das reivindicações “net zero“.

A carne produzida pela JBS é responsável por 280 milhões de toneladas de CO2eq

A JBS Foods é a maior produtora de carne bovina e de aves do mundo e a segunda maior produtora de carne suína. A empresa também fez uma modesta incursão no campo de proteínas alternativas, abrindo uma fábrica de carne cultivada na Espanha, embora em 2022 a empresa tenha fechado a Planterra, em Denver – sua  unidade de carne baseada em plantas.

Em 2021, a JBS emitiu globalmente mais de 421,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente [CO2eq]. A gigante global de frigoríficos também impulsionou mais de 2,4 milhões de acres de desmatamento na floresta amazônica, disse Glenn Hurowitz, CEO da Mighty Earth – uma organização que trabalha na proteção e defesa da natureza e na restauração da vida selvagem – em um comunicado à imprensa da Procuradoria-Geral da República [PGR].

“Quando as empresas anunciam falsamente seu compromisso com a sustentabilidade, elas estão enganando os consumidores e colocando o nosso planeta em risco. O greenwashing da JBS USA explora o bolso dos americanos comuns e a promessa de um planeta saudável para as gerações futuras”, disse o procurador-geral James, no mesmo comunicado à imprensa.

O que está na ação judicial da JBS?

Apresentada em fevereiro deste ano, a ação da PGR é o resultado de uma investigação ao longo de um ano e que depende de dois pontos principais. Primeiro, que a JBS está ciente de que seus consumidores estão preocupados com a sustentabilidade dos produtos que adquirem.

Em um documento enviado à Comissão de Valores Mobiliários em 2023, o Grupo JBS mencionou que o interesse dos consumidores por produtos à base de plantas é impulsionado por uma percepção crescente de “impactos ambientais do consumo de carne de origem animal“, o que pode ter um impacto negativo na demanda por carne.

Segundo, que o Grupo JBS tem repetidamente feito a afirmação de “Net Zero até 2040”. Marca registrada do plano ambiental da gigante frigorífica, a JBS apresentou aos seus consumidores essa afirmação como um “fato”.

Essas ações quase certamente não são acidentais. Empresas como a JBS entendem que os consumidores se preocupam com o meio ambiente, sugere Melissa Aronczyk, Ph.D., professora de estudos de mídia da Universidade Rutgers e pesquisadora sobre como as corporações têm usado a indústria de relações públicas para controlar como o público vê as mudanças climáticas e outras crises ambientais.

Qualquer empresa que fizer uma campanha para parecer ser amiga do clima sem o ser na prática é um exemplo de greenwashing. Imagem: Gerd Altmann/Pixabay.

Não é incomum que uma empresa lance uma campanha promocional para combater seus próprios registros ambientais pobres, escreveu ela em um e-mail para a Sentient. “Muitas vezes, esses planos são promessas vazias de comportamentos futuros que são projetados para isentar essas empresas de responsabilidade por danos climáticos ou responsabilidade para corrigir os problemas que ajudaram a causar.”

Na ação judicial, o procurador-geral de NY, James, argumenta que a JBS USA violou as leis gerais de negócios ao “se engajar em atos ou práticas enganosas” ao afirmar em seus materiais de marketing que a empresa atingirá o net zero até 2040. A ação se baseia em falsas proteções publicitárias e não em leis ambientais.

“Todas as empresas têm que cumprir os padrões gerais de como falam com os consumidores – como comercializam seus produtos – e isso não pode ser de forma fraudulenta ou enganosa”, diz Peter Lehner, diretor do Programa de Alimentos e Agricultura Sustentável da Earthjustice, à Sentient.

“Se uma empresa está gastando mais dinheiro e esforço para anunciar seus compromissos ambientais do que gasta em práticas ambientalmente corretas – isso é greenwashing”, escreveu Aronczyk. “Se o público e outras audiências estão sendo enganados, iludidos ou de outra forma confusos sobre as estratégias, metas, motivações e ações ambientais de uma organização – isso é greenwashing.”

Essa não é a primeira vez que tentam responsabilizar a JBS por fazer esse tipo de afirmação “falsa”. Em 2023, uma organização sem fins lucrativos do Better Business Bureau, a Divisão Nacional de Publicidade (NAD), recomendou que a JBS parasse de anunciar essa alegação de “net zero até 2040”. Em vez disso, a JBS decidiu recorrer da recomendação. E como a NAD não é um órgão de aplicação da lei, a JBS não tinha obrigação legal de alterar sua comercialização (e não o fez).

O que exatamente está sendo alegado nas propagandas da JBS?

A JBS fez suas reivindicações “net zero” em vários fóruns diferentes, desde anúncios ao próprio site e, de acordo com a ação judicial, também em um evento da Semana do Clima de Nova York.

Em vários veículos de comunicação, a JBS tem feito essas afirmações “net zero” em anúncios patrocinados. A newsletter Heated reuniu vários exemplos desses anúncios ou conteúdo patrocinado. Um anúncio, incluído no processo, foi publicado no The New York Times, no qual [a JBS] faz a seguinte afirmação: “bacon, asas de frango e bife com emissões líquidas zero. É possível.”

O anúncio continuava com “Somos a primeira grande empresa global em nosso setor a se comprometer com o net zero até 2040. Isso pode realmente ser feito? Pensamos assim e estamos tomando ações reais para alcançar nosso objetivo.” Enquanto outras incidências incluíam pelo menos uma coisa, net zero até 2040.

Já se passaram três anos desde que a JBS estabeleceu seu compromisso net zero pela primeira vez, mas até agora os únicos esforços da empresa para lidar com as emissões oriundas dos arrotos de gado e da terra – os maiores impulsionadores de emissões relacionadas a alimentos – são iniciativas limitadas de energia renovável e reciclagem, em vez de implantar medidas para reduzir a produção geral de carne, o que é essencial para uma redução significativa de emissões em longo prazo.

Entre as estratégias ‘net zero’, a JBS se comprometeu a usar eletricidade renovável até 2040 e investir em projetos de pesquisa e desenvolvimento. Um projeto apoia a pesquisa de tecnologias para reduzir as emissões de metano entérico e outro testa os esforços de sequestro de carbono em um projeto piloto de 10.000 acres em Indiana que apoia a produção de carne suína da empresa.

No entanto, como a pesquisa deixou claro, a estratégia mais eficaz para reduzir as emissões de gases de efeito estufa relacionadas com os alimentos é reduzir a produção de carne.

Um relatório do Animal Law & Policy Program, da Universidade de Harvard, sugere a partir do consenso de especialistas de que reduzir o consumo de carne – e o número de animais de criação em geral – é vital para alcançar as metas climáticas globais do Acordo de Paris de manter a temperatura média global dentro de 1,5 °C.

Reduzir o consumo de carne e o número de animais é vital para o atingimento das metas climáticas. Imagem: Leonardo Luz/Pexels.

Para a JBS, alcançar emissões net zero exigiria uma redução significativa no tamanho do rebanho e no número de animais abatidos. Todavia, a empresa não assumiu esse compromisso. Muito pelo contrário, já que neste mês a JBS anunciou que dobraria a capacidade de abate de uma de suas fábricas de carne bovina no Brasil.

O futuro das ações judiciais sobre a propaganda enganosa

Todos os anos, mais de 70 bilhões de animais terrestres são criados e abatidos para alimentação, contribuindo para 57% das emissões relacionadas a alimentos. As emissões de gases de efeito estufa podem vir da produção de ração, manejo de esterco e fermentação entérica, ou do que é simplesmente descrito como arrotos de vaca.

Grupos de defesa [do meio ambiente] já buscaram ações legais e regulatórias para impedir que as empresas de carne fizessem alegações semelhantes “favoráveis ao clima”. No ano passado, o Environmental Working Group solicitou ao USDA [Departamento de Agricultura dos Estados Unidos] que proibisse a produtora de carne bovina Tyson Foods e, em geral, outras empresas de carne, como a JBS, de fazer alegações em seus produtos [de que elas são] amigas do clima.

Em um e-mail para a Sentient, Aronczyk escreve que esses processos são uma maneira de começar a fazer a ligação entre o engano público por parte das corporações e a poluição climática. As empresas há muito assumem que sua publicidade é “isenta” de quaisquer atividades legais em comparação com um arquivamento oficial, como relatórios anuais. Mas na era da internet e das mídias sociais, em que o engajamento e o impacto podem ser monitorados, as empresas podem em breve encontrar dificuldades para fazer reivindicações climáticas vazias.

“É muito mais fácil demonstrar o alcance e o impacto dessas mensagens e atividades promocionais e, portanto, afirmar que elas se envolveram em uma comunicação que enganou o público”, escreve Aronczyk. “Então, acho que vamos ver as empresas sendo muito mais cuidadosas no que dizem em seus anúncios e como apresentam sua marca para evitar o estigma do greenwashing”.

O que acontece a seguir?

A JBS tinha que responder à denúncia do procurador-geral de Nova York em até 30 dias após a entrega da intimação. No que está disponível ao público, a JBS ainda não tinha respondido à convocação.

Há também a possibilidade de um pedido de improcedência, que contesta a base jurídica do caso mesmo que os fatos apresentados na denúncia sejam aceitos como verdadeiros, ou até mesmo pedir a prorrogação do prazo para responder.

O processo de Nova York sinaliza para que outras empresas desconfiem das alegações que fazem em sua publicidade, ambiental ou não.

“Durante décadas, a indústria de combustíveis fósseis tentou fazer com que as pessoas comuns assumissem a responsabilidade pela crise climática. Fomos instruídos a reciclar nossas garrafas plásticas e dirigir carros menores”, escreve Aroncysk. “Finalmente estamos começando a perceber que essas mensagens eram realmente sobre a indústria de combustíveis fósseis tentando se esquivar de sua própria responsabilidade por causar o aquecimento global.”

Para as emissões relacionadas a alimentos, não há como contornar o fato de que fazer com que os consumidores do norte global comam um pouco menos de carne é crucial para conter a poluição climática causada pelos alimentos. No entanto, ação judicial é uma forma de os governos procurarem responsabilizar a indústria da carne pelo seu papel na condução das emissões. Se bem-sucedida, ela pode abrir caminho para mais ações legais destinadas a combater a desinformação.

Artigo original (em inglês) publicado por Gabriella Sotelo na Sentient.

Sobre a autora
Gabriella Sotelo é bolsista na área editorial da Sentient. Sua formação é em reportagens ambientais e científicas. Seu trabalho já foi publicado no The Guardian, Gizmodo e National Audubon Society. Ela é mestre em Comunicação Científica pelo Imperial College London.

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