Por que os idosos são os mais afetados pela mudança do clima?

Imagem de uma enchente numa rua onde aparecem três veículos coberto por água e somente os tetos estão aparecendo ilustra o artigo que aborda por que os idosos são os mais afetados pela mudança do clima?
Condições climáticas extremas estão se tornando mais frequentes e intensas. Foto: Chris Gallagher/Unsplash.

Apesar de todos nós sermos afetados de alguma forma por condições climáticas extremas, são as pessoas mais idosas – especialmente as mulheres e as pessoas com deficiência – que tendem a ser as mais vulneráveis. Quem mais sofre é parcialmente determinado pela idade, mas também pelas condições preexistentes de saúde, bem-estar mental e circunstâncias sociais e econômicas.

Na medida em que as condições climáticas extremas estão se tornando mais frequentes e intensas por conta da mudança do clima em curso, a população mundial está envelhecendo – o que representa um desafio global significativo. Em 2030, por volta de uma em cada seis pessoas no mundo terá 60 anos ou mais. Nessa altura, essa faixa etária deve chegar a 1,4 bilhão e depois subir para 2,1 bilhões até 2050.

Infelizmente, muitas pessoas idosas não têm os recursos físicos, sociais e financeiros necessários para evitar ou minimizar os efeitos das condições meteorológicas extremas, especialmente na parte Sul do planeta. Sabemos que as ondas de calor podem ser mortais para os mais idosos devido a uma capacidade reduzida de regular a temperatura corporal na velhice, por exemplo. Situação que é agravada por condições crônicas de saúde, como doenças cardiovasculares e respiratórias, diabetes e propensão à desidratação.

Nas últimas duas décadas, as mortes relacionadas ao calor entre pessoas com 65 anos ou mais quase dobraram globalmente, atingindo cerca de 300.000 mortes em 2018. O verão europeu de 2022 resultou em mais de nove mil mortes relacionadas com o calor sofrido por pessoas com idades entre 65 e 79 anos – e um aumento expressivo para mais de 36 mil mortes entre as que tinham idade acima dos 80 anos.

As mortes relacionadas ao calor na Europa durante o verão de 2022 se concentraram entre as pessoas mais velhas. Ballester et al./Nature Medicine, CC BY-SA.

Não são apenas ondas de calor. As inundações, por exemplo, também podem ferir e matar as pessoas idosas. As enchentes de 2022 no Paquistão afetaram cerca de 2,3 milhões de idosos. Muitos deles não tinham mobilidade suficiente para escapar ou eram particularmente vulneráveis a problemas com a diarreia, malária e outras doenças que se espalham rapidamente em áreas inundadas.

Com relação a incêndios florestais, as pessoas mais idosas são menos propensas a receber avisos em tempo hábil por causa do acesso precário a telefones e outras tecnologias de comunicação digital. Consequentemente, elas podem permanecer inconscientes e mal preparadas para enfrentar o perigo iminente, tornando difícil a evacuação da área. Elas também são mais propensas a ter prejuízos financeiros significativos, pois perdem suas próprias casas e, com rendas limitadas, podem ter dificuldades para se recuperar.

Ciclones tropicais, como furacões, têm sido associados ao aumento de hospitalizações entre idosos. No início de 2023, o ciclone Freddy atingiu vários países do sul da África. O Malawi foi o mais afetado e, embora os idosos foram os que mais sofreram, foram os últimos a serem ajudados.

Pessoas mais idosas têm muito a contribuir

A ONU reconheceu a ameaça que as alterações climáticas representam para os direitos humanos das pessoas idosas. O preconceito de idade, que pode fazer com que as pessoas mais idosas sejam negligenciadas ou ignoradas, agrava o impacto das mudanças climáticas. A marginalização de tais indivíduos é reforçada por pressupostos enviesados de que são frágeis, doentes e dependentes, o que justifica ainda mais práticas excludentes.

Quando se trata de ação climática, as pessoas mais idosas muitas vezes enfrentam estereótipos como sendo “passivas, incapazes e retraídas“. No entanto, elas têm muito a contribuir para resolver essa questão global.

Muito conhecimento e sabedoria para contribuir. Foto: Andrea Piacquadio/Pexels.

Na medida em que a sociedade envelhece, cresce o número de pessoas aposentadas que são educadas, ativas e desfrutam de vidas mais longas. Como elas possuem recursos econômicos e sociais únicos, também exercem uma forte influência econômica e um poder de voto significativo, que podem ser aproveitados para promover políticas climáticas.

A ação climática é frequentemente associada aos jovens. Cerca de 70% das pessoas com menos de 18 anos de idade que responderam a uma grande pesquisa mundial da ONU acreditam que a mudança climática é uma emergência global. Mas seus colegas mais velhos não estão muito atrás – 58% das pessoas com mais de 60 anos sentem o mesmo. Envolver as pessoas idosas e capacitá-las para agirem no combate à crise climática pode ajudar a aumentar o apoio ao movimento do clima.

Os idosos muitas vezes possuem conhecimentos indígenas e dos lugares onde vivem. Suas memórias de eventos e catástrofes passadas fornecem informações valiosas que podem ser cruciais para a adaptação e mitigação dos danos climáticos.

Por exemplo, na Bolívia, a HelpAge International usou a sabedoria das pessoas mais idosas para implementar uma técnica tradicional chamada camellones ou “corcovas de camelo” para se adaptar aos desafios climáticos. Esses canteiros elevados protegeram as culturas durante as enchentes, melhoraram a retenção da água durante as secas e também ajudaram a manter a saúde do solo e a produção agrícola diversificada, garantindo uma melhor segurança alimentar.

Muitas pessoas idosas também aspiram deixar um legado, transmitindo seus valores e um planeta preservado para as gerações futuras. Esse desejo os impulsiona a participar da ação climática. Portanto, engajar e capacitar as pessoas idosas neste sentido não apenas oferece uma oportunidade de enfrentar a emergência climática, mas pode contribuir para construir a resiliência da comunidade local.

Para que isso aconteça, precisamos superar obstáculos como o acesso à tecnologia ou edifícios que não são de fácil acesso, para que as pessoas mais idosas possam contribuir com suas competências e habilidades. Já existem várias iniciativas globais, como The Elders e Senior Environment Corps, além de grupos específicos como Elders for Climate Action (EUA) e Seniors for Climate Action (Canadá), que envolvem pessoas idosas em esforços relacionados ao clima.

É crucial agora, mais do que nunca, que possamos envelhecer com boa saúde e resiliência para lidar com os eventos climáticos extremos. Isso requer não apenas cidades resilientes às alterações climáticas e outras comunidades, mas também reconhecer e usar o valioso conhecimento e experiência das pessoas idosas no combate à crise do clima.

Artigo original (em inglês) publicado por Gary Haq, na The Conversation.

Sobre o autor
Gary Haq é Ecologista Humano e Pesquisador Sênior do Instituto Ambiental de Estocolmo da Universidade de York (Reino Unido). Gary fez pesquisas sobre uma ampla gama de questões atreladas à política ambiental, tais como pessoas idosas e o meio ambiente, transportes, poluição do ar e avaliação de impacto de políticas. Ele é autor de muitos relatórios e artigos, incluindo Environmentalism Since 1945 (Routledge, 2012).

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