O futuro do emprego na era da sustentabilidade e desglobalização

Imagem de uma sala com dois rapazes e duas moças trabalhando na frente de várias telas de computador e laptops para ilustrar o artigo sobre o futuro do emprego na era da sustentabilidade e desglobalização.
O futuro do trabalho não precisa ser distópico - mas será interrompido. Foto: Poster POS/Unsplash.

É difícil superestimar quão tumultuados foram os últimos anos para os trabalhadores em todo o mundo. A pandemia da COVID-19 confinou a maioria das pessoas, exceto quem exercia atividades essenciais, e depois o regresso ao trabalho de forma cautelosa e parcial ou a perda de empregos em setores que nunca se recuperaram totalmente. Quase que imediatamente, isto foi seguido pela ruptura da guerra na Ucrânia e pelo aumento dos preços da energia e dos alimentos, causando um declínio real dos salários.

A adoção da tecnologia, que já vinha acelerando antes e durante a pandemia, representa uma nova onda de transformação por meio da ascensão da inteligência artificial (IA) generativa, especialmente para o trabalho de colarinho branco. E agora o forte impulso para uma necessária transformação verde também está criando expectativas de futuros deslocamentos de funções intensivas em carbono para favorecer o crescimento de empregos e habilidades verdes emergentes.

Cada nova mudança por si só já seria difícil para os trabalhadores afetados navegarem, mas em conjunto, tais mudanças perturbam os meios de subsistência de forma mais ampla e criam uma incerteza generalizada sobre o futuro do trabalho. Quando a incerteza é muito elevada, a previsão pode ajudar a fornecer maneiras de pensar sobre os desafios futuros e se preparar melhor para os múltiplos futuros que podem se desenrolar.

Relatório O Futuro do Emprego 2023

O Relatório O Futuro do Emprego 2023 do Fórum Econômico Mundial, divulgado recentemente, avalia o impacto das macro tendências, bem como das mudanças tecnológicas nos empregos e nas competências pelos próximos cinco anos. O relatório conclui que globalmente quase um quarto de todos os empregos (23%) mudará nos próximos cinco anos. Em 45 economias, abrangendo 673 milhões de trabalhadores, espera-se que 69 milhões de novos empregos sejam criados e 83 milhões eliminados, uma diminuição líquida de 14 milhões de empregos, ou 2% do contingente atual.

Investir na transição verde e aumentar a conscientização dos consumidores para as questões da sustentabilidade criarão novas oportunidades. Profissionais como engenheiros de energia renovável, engenheiros de sistemas e instalação de energia solar, especialistas em sustentabilidade e de proteção ambiental serão muito procurados por conta do crescimento de cerca de um milhão de empregos afins.

Agricultura e educação são áreas de crescimento de empregos

Os maiores ganhos absolutos em empregos virão da educação (3 milhões de vagas) e da agricultura (4 milhões), impulsionados em parte pela demografia e pelas aplicações de novas tecnologias nesses campos. A nova geografia econômica criada pela mudança das cadeias de suprimentos e um maior foco na resiliência em detrimento da eficiência também deve gerar crescimento líquido de empregos, com ganhos especialmente para as economias da Ásia e do Oriente Médio.

A tecnologia criará uma rotatividade estrutural, com um quarto das empresas vendo um declínio do emprego em função da adoção de novas tecnologias e mais da metade vendo um crescimento do emprego. Mas a fronteira homem-máquina está mudando para um novo patamar. Embora as expectativas de substituição do trabalho físico e manual por máquinas tenham diminuído, espera-se que as tarefas que exigem raciocínio, comunicação e coordenação – todas com uma característica de vantagem comparativa para os humanos – sejam mais automatizadas no futuro.

Imagem: Adaptada do Fórum Econômico Mundial.

Isso não é surpreendente. A inteligência artificial generativa deve ser adotada por quase 75% das empresas pesquisadas e só perde para robôs humanoides e industriais em termos de expectativas de perda de empregos, com maior probabilidade de afetar funcionários de banco, caixas, balconistas, secretárias e contadores. No entanto, a maior ameaça ao emprego ainda não parece vir da tecnologia, mas da desaceleração da economia, aumento dos custos de insumos e do menor poder de compra entre os consumidores.

Requalificação em alta

Percebemos também que na média quase 44% das competências de um indivíduo terá que mudar em todos os tipos de emprego. As competências com a maior percentagem de procura pelas empresas incluem pensamento analítico e criativo, seguidas de conhecimento tecnológico, curiosidade e aprendizagem ao longo da vida, resiliência e flexibilidade, pensamento sistêmico, big data e inteligência artificial. Competências com menor demanda incluem cidadania global, processamento sensorial e destreza manual, resistência e precisão.

Para muitos indivíduos, a mudança simultânea no ambiente econômico mais amplo, a integração de novas tecnologias no trabalho e a expectativa de incertezas futuras se traduzem em frustração com as perspectivas atuais de emprego e em medo das perspectivas futuras na disparidade econômica.

Para muitas empresas, há preocupação com o talento necessário para prosperar no novo contexto: 60% das empresas estão preocupadas com lacunas de competências e 54% se preocupam em ser capazes de atrair talentos. E para os governos, particularmente aqueles que até o momento investiram pouco em educação e sistemas de aprendizagem ao longo da vida, o capital humano se tornará o principal obstáculo para navegar no novo cenário econômico.

Preparando-se para o futuro dos empregos

Como, então, os alunos, os trabalhadores, os empregadores e os governos devem se preparar para o futuro do emprego?

Em um mundo mais verde, potencialmente desglobalizado e com uso intensivo de tecnologia, o desenvolvimento de competências locais importará mais do que nunca.

Para os alunos de hoje, as habilidades analíticas e interpessoais, bem como a capacidade de entender e trabalhar com a tecnologia serão fundamentais. Todo aluno – independentemente da área escolhida – deve ter como objetivo desenvolver essas habilidades generalistas para estar pronto para um futuro em rápida mudança.

Para quem hoje trabalha nas áreas em declínio, será necessário fazer um grande esforço de requalificação e transição, enquanto para aqueles de áreas em mudança ou em crescimento, é preciso melhorar as competências e desenvolver a capacidade de aprendizagem constante.

A boa notícia é que a qualificação pode acontecer rapidamente e o aprendizado online pode oferecer condições equitativas: trabalhadores de todos os níveis educacionais – incluindo aqueles sem ensino superior ou pós-graduação – levam o mesmo tempo para adquirir credenciais de habilidades online.

No entanto, não pode caber apenas a alunos e trabalhadores negociar novos campos complexos. Os governos devem fornecer recursos e um roteiro. Isto representa um duplo desafio importante e sem precedentes para a elaboração de políticas públicas.

Os governos devem equilibrar o apoio à inovação com a regulamentação necessária para tornar as novas tecnologias seguras e, ao mesmo tempo, apoiar os trabalhadores através de redes de segurança, sistemas de cuidados e centros de emprego, ao mesmo tempo em que fazem grandes investimentos em sistemas de qualificação, certificações rápidas e parcerias com o setor da educação, empresas e organizações sem fins lucrativos (ONGs), para impulsionar a mudança em escala.

Os empregadores devem fazer sua parte

Os empregadores devem desempenhar o seu papel através do investimento na requalificação e melhoria de competências – a maioria espera ver um retorno do investimento no prazo de um ano, fazendo da formação a linha de ação mais eficaz e responsável.

Os melhores empregadores vão mais longe: quando necessário, eles apoiam as transições dos colaboradores também fora da empresa, priorizam a segurança e o bem-estar, promovem a diversidade, a equidade e a inclusão. Além disso, eles valorizam em primeiro lugar a adoção de uma abordagem de competências em detrimento de uma que priorize as qualificações ou o histórico profissional.

Os empregadores que tomam essas medidas fecham mais rapidamente as lacunas de competências de seus colaboradores e comprovadamente aumentam a lealdade, a produtividade e a motivação deles.

Parcela de empresas pesquisadas que planejam adotar estratégias de força de trabalho. Imagem: WEF, Relatório O Futuro do Emprego 2023.

O Fórum Econômico Mundial fornece a plataforma Reskilling Revolution para ajudar um bilhão de pessoas na força de trabalho global com as competências necessárias para proteger suas carreiras até 2030. Estas parcerias alcançaram mais de 350 milhões de pessoas desde seu lançamento em 2020. Mas são necessários mais esforços deste tipo e de forma mais rápida e escalável.

Não há dúvida de que o futuro do trabalho sofrerá uma ruptura. Mas não precisa ser distópico. Em vez disso, pode ser uma oportunidade para lançar as bases que podem colocar as pessoas firmemente no centro da nova economia global.

Leia o Relatório do Futuro do Emprego 2023 aqui. A Cúpula do Crescimento do Fórum Econômico Mundial aconteceu em 2 e 3 de maio de 2023. Saiba mais.

Artigo original (em inglês) publicado por Saadia Zahidi, no Fórum Econômico Mundial–WEF.

Sobre a autora
Saadia Zahidi é bacharel em Economia pela Smith College, mestre em Economia Internacional pelo Instituto de Pós-graduação de Genebra e fez Mestrado em Administração Pública pela Universidade de Harvard. Ela recebeu várias premiações nos últimos anos e é autora do livro Fifty Million Rising (2018). Atualmente é Chefe do Centro para a Nova Economia e Sociedade, do Fórum Econômico Mundial.

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