Como desenvolver as renováveis sem ameaçar a biodiversidade?

Imagem aérea de uma área aberta e com bastante verde no solo sobre o qual aparecem duas turbinas eólicas ilustram o post cujo título pergunta: como desenvolver as renováveis sem ameaçar a biodiversidade?
Areas ao redor do mundo que são adequadas para a energia renovável se sobrepõem a cerca de 10% da terra que é importante para a biodiversidade. Foto: Janusz Walczak/Pixabay.

Um grande desafio para qualquer pessoa tentando enfrentar as mudanças climáticas é encontrar soluções que não criem novos problemas. Os cientistas do clima, por exemplo, concordam que o mundo precisa de mais painéis solares, turbinas eólicas e linhas de transmissão. Mas construir toda essa infraestrutura ocupa muita terra, a qual pode ser um habitat crítico para animais ameaçados de extinção, repleta de flores silvestres, pássaros e insetos, ou um ótimo lugar para os povos indígenas buscarem alimentos tradicionais.

De acordo com um estudo recente publicado na revista Nature Communications, áreas ao redor do mundo que são adequadas para a energia eólica, solar e outras formas de energia limpa se sobrepõem a cerca de 10% da terra que é importante para a biodiversidade e para outras necessidades humanas, como água limpa e madeira para combustível.

Para que os Estados Unidos deixasse de queimar petróleo, gás e carvão seria preciso alocar dezenas de milhões de acres de planaltos ensolarados para a instalação de painéis solares e parques eólicos, somente neste país. O potencial para o conflito entre conservação e desenvolvimento de energias renováveis é ainda maior do que entre conservação e agricultura, mineração ou perfuração de combustíveis fósseis, segundo o estudo.

Essa descoberta foi a “maior surpresa” para Rachel Neugarten, pesquisadora da Universidade Cornell e uma das autoras do artigo. “A energia renovável é absolutamente crítica para as metas climáticas”, disse ela. “No entanto, ela pode gerar impactos negativos se estiver localizada nos lugares errados”.

A equipe de Neugarten mapeou o mundo inteiro para a biodiversidade, pressão da agricultura, mineração e outras formas de desenvolvimento, além de 10 das “contribuições da natureza para as pessoas” – desde a polinização das culturas à recreação. Os pesquisadores descobriram que apenas 18% da terra de que os humanos precisam estão atualmente protegidas contra a expansão urbana e a extração de recursos – mais de um terço das quais é largamente adequada para a agricultura, mineração, perfuração de petróleo e gás ou projetos de energia limpa.

Na Irlanda, por exemplo, 60% da terra é adequada para energias renováveis, agricultura ou mineração, assim como é importante para a pastagem, recreação e armazenamento de nutrientes como nitrogênio, escreveram os autores.

“Uma das principais conclusões deste estudo é que é possível alcançar metas climáticas, de conservação e desenvolvimento, mas que isso exigirá um planejamento cuidadoso”, disse Neugarten. “Precisamos pensar cuidadosamente sobre como as decisões em um setor, como o desenvolvimento de energia renovável, podem minar as metas de outros setores, como habitat para polinizadores ou conservação da biodiversidade.”

Os pesquisadores sugerem que uma maneira de contornar esse problema seria construir parques eólicos ou solares em terras que já foram desmatadas ou degradadas. Isso pode significar a instalação de painéis solares em locais industriais abandonados ou acima de estacionamentos, disse Neugarten. Mas ela também recomendou o acoplamento das energias renováveis com a agricultura. Como dois exemplos, ela apontou painéis solares numa área de 18 acres em Minnesota que estão aninhados entre flores amigas dos polinizadores e colmeias de abelhas, capazes de abastecer mais de 100.000 casas, bem como um parque eólico em uma fazenda de gado no Arizona.

O artigo não aborda se realmente há terra suficiente para caber todos os parques solares e eólicos de que o mundo precisa sem ameaçar a biodiversidade e causar outros danos ecológicos. Essa ainda é uma questão em aberto, disse Neugarten.

Os Estados Unidos precisariam de uma faixa de terra do tamanho de cinco Dakotas do Sul para gerar energia limpa suficiente para operar uma economia livre de carbono até 2050, de acordo com uma análise da Bloomberg News e da Universidade de Princeton.

E você não pode simplesmente colocar turbinas eólicas e painéis solares em qualquer lugar: uma fazenda solar precisa estar em terreno plano e ensolarado, perto o suficiente da rede elétrica para evitar que os custos de transmissão disparem.

Ainda assim, algumas pesquisas indicam que não precisa haver um tradeoff dramático entre conservação e energia limpa. A Nature Conservancy, que ajudou a financiar o estudo de Neugarten, divulgou um relatório no ano passado mostrando que os EUA poderiam implantar muita energia eólica e solar sem danos significativos ao meio ambiente. O relatório delineou três linhas de ação: combinar energia solar e eólica no mesmo terreno, instalar painéis solares em terras agrícolas e usar painéis solares que se inclinam para absorver mais luz solar e produzir mais energia.

Onde e como os projetos de energia renovável são construídos [pode afetar] a biodiversidade mais do que a quantidade de energia limpa produzida globalmente, de acordo com Ryan McManamay, ecologista da Universidade Baylor que não esteve envolvido no estudo de Neugarten. “É perfeitamente possível atender a uma quantidade maior de necessidades da população e ter um menor impacto na biodiversidade com base em considerações ponderadas de como as coisas são desenvolvidas”, disse ele.

Os cientistas também dizem que as consequências ambientais da construção de muitas turbinas eólicas e painéis solares provavelmente não serão tão terríveis quanto continuar queimando quantidades gigantescas de combustíveis fósseis. As próprias alterações climáticas representam um grande risco para a biodiversidade.

“Tem havido alguma retórica sobre verde versus verde, que está fazendo a energia renovável conflitar com a conservação da biodiversidade”, disse Neugarten. “Eu realmente acho que é viável fazer as duas coisas se direcionarmos nossas mentes para isso.”

Artigo original (em inglês) publicado por Max Graham na Grist. Assine a newsletter da Grist.


Sobre o autor
Max Graham é pesquisador na área da Agricultura e Alimentos.

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