O que é HVO e por que ele é chamado de diesel verde

Bombas de diesel e HVO em posto de combustível
O termo HVO está sendo cada vez mais substituído pelos termos “diesel verde” ou “diesel renovável”. Foto: Planet Fox/Pixabay.

A sigla HVO tem aparecido bastante na literatura científica nos últimos anos e também na mídia de uma forma geral. Muitas pessoas se perguntam o que é HVO e por que ele é chamado de diesel verde ou diesel renovável. HVO significa Hydrotreated Vegetable Oil, ou óleo vegetal hidrotratado (ou hidrogenado), um biocombustível que resulta da mistura de hidrocarbonetos (hidrogênio + carbono) e que pode ser usado em motores de ciclo diesel.

Como o HVO tem em sua denominação a palavra “vegetal” (óleo vegetal hidrotratado), mas hoje em dia pode ser feito também de resíduos e gordura animal, chamá-lo de HVO soa impreciso e, portanto, o termo HVO está sendo cada vez mais substituído pelos termos “diesel verde” ou “diesel renovável” (Ushakov & Lefebvre, 2019). De qualquer forma, como a literatura ainda usa as três denominações, elas serão usadas ao longo deste artigo de forma intercambiável e como representação do mesmo tipo de biocombustível.

O HVO surgiu em 2005 na universidade americana de Wisconsin-Madison, após experimentos conduzidos por cientistas da Escola de Engenharia daquela universidade resultarem em um combustível semelhante ao diesel fóssil, ao qual eles batizaram de “diesel verde”, conforme publicação do periódico científico Focus on Catalysts.

Apelidado de “Diesel Verde”, pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison College of Engineering descobriram uma nova maneira de fazer um combustível líquido semelhante ao diesel, a partir de carboidratos comumente encontrados em plantas, via reator catalítico de quatro fases, no qual milho e outros carboidratos derivados de biomassa podem ser convertidos em alcanos líquidos livres de enxofre, resultando em um aditivo ideal para o combustível de transporte do tipo diesel [tradução livre].

Focus on Catalysts, p.6

A indústria dos combustíveis líquidos logo percebeu que além de apresentar propriedades semelhantes às do diesel fóssil (Preuss et al., 2021; Hunicz et al., 2022), o HVO é considerado menos prejudicial ao meio ambiente e à saúde humana, uma vez que possui caráter mitigador de emissões de gases de efeito estufa (GEEs).

Tais motivos fazem com que o HVO seja chamado de diesel “verde” ou diesel renovável, embora a literatura científica não o considere 100% verde por conta dos insumos de origem fóssil que são usados ao longo de toda a sua cadeia produtiva ou ciclo de vida.

De qualquer forma, a partir da descoberta dos pesquisadores americanos, o diesel verde passou a ser visto como um substituto promissor do óleo diesel, o que fez sua produção mundial crescer de forma consistente, sobretudo na União Europeia (UE), seu maior mercado.

O crescimento do diesel verde na UE tende a aumentar ainda mais, visto que a região tem planos para eliminar todos os biocombustíveis de primeira geração (baseados em plantas) para depender apenas de biocombustíveis de segunda geração, por exemplo, os derivados de resíduos (Wright, 2019), como o óleo usado de cozinha, tecnicamente chamado de óleo residual de fritura (ORF).

Uma das precursoras na difusão do diesel verde no mundo foi a Neste, empresa global com base na Finlândia, cujos investimentos pesados na nova tecnologia a transformou na maior produtora mundial deste biocombustível. Em 2007 a empresa finlandesa construiu a primeira fábrica no mundo para produzir diesel verde em escala comercial, cuja capacidade foi de 170 mil ton/ano (Bohl et al., 2018).

Caminhão de transporte de HVO da empresa Neste
Caminhão transportando HVO. Foto: Neste/Divulgação.

Assim como na UE, o mercado de HVO está se desenvolvendo em outros países fora da região, incluindo no continente asiático e nos Estados Unidos, onde seu crescimento foi robusto nos últimos anos e cuja produção faz do país o segundo maior mercado global.

A disseminação do diesel verde no mundo na última década vem chamando a atenção de especialistas a ponto de considerá-lo uma ameaça ao futuro do biodiesel tradicional e de sua cadeia produtiva. No momento é impossível mensurar o impacto que a expansão do diesel verde pode causar ao mercado de biodiesel e de seu coproduto, a glicerina, bastante utilizada pelas indústrias químicas, farmacêuticas e de cosméticos.

No Brasil, o HVO ainda está no começo da jornada para se estabelecer no mercado nacional, com produção ainda pequena e mesmo assim em caráter experimental, cujos testes vêm sendo conduzidos pela Petrobras em sua refinaria Repar.

Entretanto, em maio de 2021 a ANP aprovou a resolução que trata da especificação do diesel verde no país e que também poderá viabilizar a produção de bioquerosene de aviação (ANP, 2021). A partir de então, a possibilidade de um HVO brasileiro começa a se materializar.

De acordo com publicação da CNN Brasil Business em novembro passado, duas empresas genuinamente brasileiras, a Brasil BioFuels (BBF) e a Vibra Energia, anunciaram planos para a construção da primeira biorrefinaria de diesel verde no país.  

A matéria diz que a BBF investiu R$ 1,8 bilhão para a construção da fábrica que será erguida na Zona Franca de Manaus e terá capacidade produtiva de 500 milhões de litros por ano – volume que será 100% adquirido pela Vibra Energia.

E para garantir a produção anual do diesel verde, a matéria-prima será a palma, cujo projeto prevê o plantio até 2026 de mais de 120 mil hectares da oleaginosa no Zoneamento Agroecológico da região, segundo a publicação.

Diferenças e semelhanças entre o HVO e o biodiesel

Da mesma forma que o biodiesel tradicional, o diesel renovável é um combustível produzido de matérias-primas bem variadas, entre as quais estão plantas oleaginosas (soja, palma, girassol), gordura animal e ORF. Embora ambos os combustíveis possam ser feitos a partir das mesmas matérias-primas, seus processos produtivos diferem (CARB, 2015).

O biodiesel tradicional é majoritariamente produzido pela reação de transesterificação, na presença de um álcool e um catalisador, enquanto que a produção do HVO ocorre por hidrotratamento (HDT), processo químico já utilizado por refinarias de petróleo para a retirada de enxofre, nitrogênio e metais (Huber et al., 2007).

O HVO é processado pela adição de hidrogênio à matéria-prima numa reação catalítica (Bjørgen et al., 2020), da qual saem o biocombustível como produto principal e também coprodutos, dentre os quais o monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2) e nafta (Bohl et al., 2018).

De acordo com a literatura, como o processo produtivo do HVO elimina a presença de oxigênio da matéria-prima (Han et al., 2022) e usa o hidrogênio em vez do metanol (usado no processo do biodiesel tradicional), por estes motivos o HVO é considerado um biocombustível mais limpo do que o biodiesel (Wright, 2019).

Como o HVO apresenta propriedades semelhantes às do diesel fóssil, ele pode ser usados em motores do ciclo diesel sem nenhuma modificação (Bjørgen et al., 2020), embora a norma vigente no Brasil exija que biocombustíveis do ciclo diesel sejam adicionados ao diesel fóssil em percentuais de mistura que devem chegar aos 15% (em volume) em 2023.

A tabela a seguir mostra algumas das principais propriedades físico-químicas do HVO, diesel fóssil e biodiesel de soja.

Tabela mostrando algumas propriedades do HVO, diesel e biodiesel
Propriedades físico-químicas do HVO, óleo diesel e biodiesel de soja (ø = biodiesel de colza ou canola). Fontes: (1) Ushakov & Lefebvre (2019), (2) e (3) De Oliveira & Coelho (2017), (*) Preuss et al. (2021).

Assim como o biodiesel tradicional, o HVO também é quase que totalmente livre de compostos aromáticos e elementos sulfurados (Ushakov & Lefebvre, 2019), os quais indicam a presença de enxofre.

Entretanto, a literatura confere algumas vantagens do HVO sobre o biodiesel, tais quais menor pegada de carbono, mais livre de impurezas, maior densidade energética, não apresenta problemas relacionados com óxidos nitrosos (NOx) ou de estabilidade oxidativa (Aatola et al., 2009).

Além disso, o HVO pode ser produzido em refinarias de petróleo já existentes (Hunicz et al., 2022), cujos custos representam cerca de metade dos custos para fazer o biodiesel pela transesterificação, embora a literatura sugira que em geral o custo depende muito do preço da matéria-prima usada na produção do biocombustível (Bohl et al., 2018).

A tabela abaixo apresenta algumas características do HVO e do biodiesel tradicional com base em informações presentes na literatura científica.

Tabela mostrando algumas características do HVO e do biodiesel
Características gerais do HVO e do biodiesel.

Quando o HVO é produzido de matérias-primas consideradas resíduos, como as gorduras animais ou ORF, as emissões de GEEs associadas com seu uso são menores do que aquelas associadas ao HVO oriundo de óleos vegetais virgens (REN21, 2021), como os óleos de soja, dendê ou canola. Portanto, quando produzido a partir de resíduos, o HVO (e o biodiesel também) pode usufruir de créditos oferecidos por programas governamentais criados para biocombustíveis que geram menores emissões de GEEs.

No programa californiano “Low Carbon Fuel Standard (LCFS)”, o diesel verde produzido de óleo de fritura pode receber créditos que representam o dobro dos oferecidos aos biocombustíveis feitos de óleos vegetais. Da mesma, o programa “Renewable Energy Directive (RED e RED II)”, da União Europeia, também incentiva o uso de biocombustíveis oriundos de resíduos, cujos créditos são computados duas vezes para metas nacionais de emissões de GEEs (REN21, 2021).

Intensidade de carbono do HVO

De acordo com CARB (2015), a “intensidade de carbono” de um combustível representa a quantidade equivalente de CO2 emitida em cada etapa de seu ciclo de vida e pode ser expressa em gramas de CO2 equivalente por Megajoule (gCO2e/MJ).

A depender da matéria-prima usada no processo de produção, a intensidade de carbono do biocombustível pode variar de 20–60 gCO2e/MJ para o HVO (Listgarten, 2021) e 10–53 gCO2e/MJ para o biodiesel (Posada et al., 2012). Ou seja, a intensidade de carbono será menor se a matéria-prima apresentar menor teor de carbono, como é o caso por exemplo do ORF.

Dessa forma, a demanda por ORF tem sido intensa principalmente na UE e nos EUA. De acordo com os preceitos da economia sobre demanda e oferta, quando a procura por um produto é alta, seu preço tende a aumentar. Neste caso, o aumento no preço do óleo de fritura usado terá reflexos nos custos de produção do HVO.

Além disso, a alta procura pelo ORF no mercado mundial pode tornar sua logística e disponibilidade fatores limitadores para que esta matéria-prima continue suprindo a demanda necessária, obrigando o produtor do biocombustível a buscar matérias-primas alternativas (Bohl et al., 2018), como as oleaginosas.

Se esta dinâmica acontecer, a intensidade de carbono do HVO aumentará, contrariando as determinações da UE sobre priorizar o uso de biocombustíveis de segunda geração.

Na verdade, a intensidade de carbono do HVO já vem aumentando nos últimos quatro anos, período em que ela passou de 30 para 36 gCO2e/MJ (Listgarten, 2021), conforme mostra o gráfico abaixo.

Gráfico mostrando a intensidade de carbono do HVO, de 2011 a 2021
Intensidade de carbono do HVO aumentou nos últimos quatro anos. Fonte: Adaptado de Listgarten (2021), com dados de LCFS.

Considerando os investimentos que estão sendo feitos pela indústria dos biocombustíveis para reforçar a produção mundial de HVO e da consequente demanda por ORF e gordura animal, resta saber como o mercado do diesel verde vai se comportar diante da escassez destas matérias-primas e da redução das margens de lucro para produzir os biocombustíveis de segunda geração (Greenea, 2017).

A aposta do mercado é de que no longo prazo o biodiesel tradicional continue tendo participação na fatia de mercado dos biocombustíveis, embora menor do que seria sem a existência do diesel verde.

Diante da sólida e estabelecida cadeia produtiva do óleo diesel e de sua maior densidade energética diante do biodiesel e do HVO, os motores de ciclo diesel ainda continuarão hegemônicos por muitos anos, tanto para a frota de veículos comerciais pesados quanto para a de transportes marítimos (Hunicz et al., 2022).

De qualquer forma, como o biodiesel e o HVO produzem menos gases de efeito estufa do que o diesel fóssil, eles tornam-se mais importantes para a saúde humana e para a saúde de nosso planeta. Logo, existe a expectativa de que estes biocombustíveis complementem o óleo diesel em escalas cada vez maiores como forma de mitigar os efeitos devastadores decorrentes das mudanças climáticas.

Referências

Aatola, H. et al. Hydrotreated Vegetable Oil (HVO) as a Renewable Diesel Fuel: Trade-off between NOx, Particulate Emission, and Fuel Consumption… SAE International Journal of Engines v.1, n.1 (2009) 1251–1262.
http://www.jstor.org/stable/26308354

ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Diretoria da ANP aprova especificações do diesel verde. 14-MAI-2021.
https://www.gov.br/anp/pt-br/canais_atendimento/imprensa/noticias-comunicados/diretoria-da-anp-aprova-especificacoes-do-diesel-verde

Bohl, T. et al. Particulate number and NOx trade-off comparisons between HVO and mineral diesel in HD applications. Fuel 215 (2018) 90–101.
https://doi.org/10.1016/j.fuel.2017.11.023

Bjørgen, K.O.P. et al. Combustion and soot characteristics of hydrotreated vegetable oil compression-ignited spray flames. Fuel 266 (2020) 116942.
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CARB – California Air Resource Board and California Environmental Protection Agency. Multimedia Evaluation of Renewable Diesel. May 2015.
https://ww2.arb.ca.gov

De Oliveira, F.C.; Coelho, S.T. History, evolution, and environmental impact of biodiesel in Brazil: A review. Renewable and Sustainable Energy Reviews 75 (2017) 168–179.
https://doi.org/10.1016/j.rser.2016.10.060
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1364032116307304

Focus on Catalysts. Scientists proclaim “Green Diesel” breakthrough. Focus on Catalysts, Volume 2005, Issue 9, September 2005, p.6.
https://doi.org/10.1016/S1351-4180(05)71187-9
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1351418005711879

Greenea. New players join the HVO game. March, 2017.
https://www.greenea.com/publication/new-players-join-the-hvo-game/

Han, J. et al. Ignition and combustion characteristics of hydrotreated pyrolysis oil in a combustion research unit. Fuel 316 (2022) 123419.
https://doi.org/10.1016/j.fuel.2022.123419

Huber, G.W. et al. Processing biomass in conventional oil refineries: Production of high quality diesel by hydrotreating vegetable oils… Applied Catalysis 329 (2007) 120–129.
https://doi.org/10.1016/j.apcata.2007.07.002

Hunicz, J. et al. Partially premixed combustion of hydrotreated vegetable oil in a diesel engine… Fuel 307 (2022) 121910.
https://doi.org/10.1016/j.fuel.2021.121910

Listgarten, S. Palo Alto Online. Is renewable diesel the real deal? 19 Sep 2021.
https://www.paloaltoonline.com/blogs/p/2021/09/19/is-renewable-diesel-the-real-deal

Posada et al. Biodiesel carbon intensity, sustainability and effects on vehicles and emissions. ICCT, January 2012.
https://theicct.org/publication/biodiesel-carbon-intensity-sustainability-and-effects-on-vehicles-and-emissions/

Preuß, J. et al. Performance and emissions of renewable blends with OME3-5 and HVO in… ignition engines. Fuel 303 (2021) 121275.
https://doi.org/10.1016/j.fuel.2021.121275

REN21 – Renewable Energy Policy Network for the 21st Century. Renewables 2021 Global Status Report.
https://www.ren21.net/reports/global-status-report/

Ushakov, S.; Lefebvre, N. Assessment of Hydrotreated Vegetable Oil (HVO) Applicability as an Alternative Marine Fuel… SAE International Journal of Fuels and Lubricants v.12, n.2 (2019) 109–120.
https://www.jstor.org/stable/26891400

Wright, S. Rise of HVO to be the downfall of traditional biodiesel in Europe. Independent Commodity Intelligence Services (ICIS), 2019.
https://www.icis.com/explore/resources/news/2019/11/28/10449207/insight-rise-of-hvo-to-be-the-downfall-of-traditional-biodiesel-in-europe/

Sobre o autor | Fernando Oliveira

Foto Fernando


Fernando é o fundador e editor da Sustenare. Ele é administrador de empresas, cientista da computação e doutor em energia pela Universidade de São Paulo (USP). Fernando morou nos Estados Unidos por dez anos, país onde cursou universidade e trabalhou por igual período para empresas de tecnologia e do ramo editorial.

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