A fotossíntese artificial pode ser a chave para a vida fora da Terra

Foto de um astronauta caminhando por um solo avermelhado no qual aparecem algumas esferas de vidro para ilustrar que a fotossíntese artificial pode ser a chave para a vida fora da Terra.
A exploração do espaço e nossa economia energética no futuro têm um objetivo de longo prazo muito semelhante: a sustentabilidade. Foto: Simisi1/Pixabay.

A fotossíntese tem 2,3 bilhões de anos e é a responsável pela sobrevivência da vida na Terra. Essa reação imensamente fascinante (e ainda não totalmente compreendida) permite que as plantas e outros organismos absorvam luz solar, água e dióxido de carbono (CO2) enquanto os convertem em oxigênio e energia na forma de açúcar.

A fotossíntese é uma parte tão integral do funcionamento da Terra que a consideramos um processo natural. Mas quando olhamos para além do nosso próprio planeta em busca de lugares para explorar e nos estabelecer, fica óbvio quão raro e valioso é este processo.

Meus colegas e eu investigamos em um novo artigo, publicado na Nature Communications, como os recentes avanços na fotossíntese artificial podem ser a chave para sobreviver e prosperar longe da Terra.

A necessidade humana por oxigênio faz as viagens espaciais serem complexas. As restrições de combustível limitam a quantidade de oxigênio que podemos carregar, principalmente se o desejo é fazer viagens de longa distância para lugares como a Lua e Marte. Uma viagem só de ida para Marte geralmente dura cerca de dois anos, o que significa não ser uma tarefa fácil enviar suprimentos da Terra.

Já existem maneiras de produzir oxigênio na Estação Espacial Internacional (ISS) por meio da reciclagem do CO2. A maior parte do oxigênio da ISS vem de um processo chamado “eletrólise”, que usa eletricidade dos painéis solares da estação para separar [moléculas de] água em gás hidrogênio e oxigênio, provendo meios para que os astronautas possam respirar. Há também um sistema separado para transformar em água e metano o CO2 que os astronautas expelem.

Mas essas tecnologias são ineficientes, pesadas, difíceis de manter e não são confiáveis. O processo de geração de oxigênio, por exemplo, requer cerca de um terço da energia total necessária para operar todo o sistema da ISS que oferece suporte ao “controle ambiental e à vida”.

Caminhos a seguir

A busca por sistemas alternativos que possam ser empregados na Lua e em viagens ao planeta Marte está em andamento. Uma possibilidade é fazer uso direto da energia solar (abundante no espaço) para produzir o oxigênio e reciclar o CO2 em um mesmo dispositivo.

A única outra entrada em tal dispositivo seria a água – semelhante ao processo de fotossíntese que ocorre na natureza. Isso evitaria as configurações complexas em que os dois processos de coleta de luz e produção química são separados, como na ISS, e também seria importante para reduzir o peso e o volume do sistema – dois critérios considerados chave para a exploração espacial. E também seria mais eficiente.

Gráfico vetorizado mostrando o processo de fotossíntese de uma planta
Imagem vetorizada da fotossíntese de uma planta – processo altamente eficiente. Gráfico adaptado de brgfx/Freepik.

A energia térmica (calor) adicional que é liberada durante o processo de captura de energia solar poderia ser usada diretamente para catalisar (iniciar) as reações químicas, tornando-as mais rápidas. Além disso, seria possível reduzir de forma significativa os procedimentos complexos de fiação e manutenção.

Nós produzimos uma estrutura teórica para analisar e prever o desempenho desses dispositivos integrados de “fotossíntese artificial” para aplicações na Lua e em Marte.

Em vez da clorofila, responsável pela absorção de luz nas plantas e algas, esses dispositivos usam materiais semicondutores que podem ser revestidos diretamente com catalisadores metálicos simples que dão suporte à reação química desejada.

Nossa análise mostra que esses dispositivos seriam de fato viáveis para complementar as tecnologias existentes de suporte à vida, como o conjunto do gerador de oxigênio empregado na ISS. Este é particularmente o caso quando combinado com dispositivos que concentram a energia solar para alimentar as reações (espelhos essencialmente grandes que focalizam a luz solar incidente).

Existem outras abordagens também. Por exemplo, podemos produzir oxigênio diretamente do solo lunar (regolito), embora este processo demande altas temperaturas para funcionar.

Dispositivos artificiais de fotossíntese, por outro lado, poderiam operar na temperatura ambiente das pressões que são encontradas em Marte e na Lua – o que significa que eles poderiam ser usados diretamente nos habitats e tendo a água como principal recurso.

Essa opção é particularmente interessante, dada a presença estipulada de água gelada na cratera lunar Shackleton – local previsto para pousos em futuras missões lunares.

Embora a intensidade de luz em Marte seja mais fraca do que na Terra, por conta de sua maior distância do Sol, no planeta vermelho a atmosfera é composta por quase 96% de CO2 – aparentemente ideal para um dispositivo de fotossíntese artificial.

Então isso representaria um problema? Na verdade, calculamos a intensidade da luz solar disponível em Marte. Mostramos que podemos de fato usar esses dispositivos lá, embora os espelhos solares se tornem ainda mais importantes.

A produção eficiente e confiável de oxigênio e outros produtos químicos, bem como a reciclagem de CO2 a bordo de espaçonaves e em habitats, é um tremendo desafio que precisamos dominar para uso em missões espaciais de longo prazo.

Os sistemas de eletrólise existentes, operando em altas temperaturas, exigem uma quantidade significativa de entrada de energia. E os dispositivos para converter o CO2 em oxigênio em Marte ainda estão engatinhando, sejam eles baseados na fotossíntese ou não.

Portanto, vários anos de intensa pesquisa são necessários para poder usar essa tecnologia no espaço. Copiar as partes essenciais da fotossíntese natural pode nos dar algumas vantagens e ajudar a viabilizá-la em um futuro não muito distante.

Uso no espaço e na Terra

Os retornos seriam enormes. Nós realmente poderíamos, por exemplo, criar atmosferas artificiais no espaço e fazer os produtos químicos necessários para missões de longo prazo, como fertilizantes, polímeros ou produtos farmacêuticos. Além disso, os conhecimentos que adquirirmos ao projetar e fabricar esses dispositivos podem nos ajudar a enfrentar o desafio da energia verde na Terra.

Temos a sorte de ter plantas e algas para produzir oxigênio. No entanto, os dispositivos de fotossíntese artificial poderiam ser usados para produzir hidrogênio ou combustíveis à base de carbono, em vez de açúcares. Isso abriria um caminho para a produção de produtos químicos verdes e ricos em energia que podemos armazenar e usar no transporte.

A exploração do espaço e nossa futura economia energética têm um objetivo de longo prazo muito semelhante: a sustentabilidade. Dispositivos artificiais de fotossíntese podem se tornar uma parte fundamental de sua realização.

Artigo original (em inglês) publicado por Katharina Brinkert na The Conversation.

Sobre a autora
Katharina Brinkert é apaixonada pela pesquisa de fotossíntese natural e artificial desde os tempos de escola, época em que participou de diversas competições científicas. Atualmente ela é Professora-Assistente em Catálise, na Universidade de Warwick (Reino Unido). Katharina fez doutorado na Imperial College London, é mestre em Química para Energias Renováveis, pela Universidade de Uppsala (Suécia) e bacharel em Química, pela Universidade de Bielefeld (Alemanha).

Katharina Brinkert recebe financiamento do Centro Aeroespacial Alemão (DLR) e da Agência Espacial Europeia (ESA).

A Universidade de Warwick fornece financiamento como membro do The Conversation UK.

Agradecimento: Freepik pela imagem vetorizada do processo de fotossíntese.
Food vector created by brgfx – www.freepik.com

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