Um novo material pode mudar a forma como fazemos cimento

Imagem de dois montinhos de pó nas cores cinza e laranja para ilustrar o artigo cujo título diz que Um novo material pode mudar a forma como fazemos cimento.
Cimento LC3, cor natural à direita, com controle de cor à esquerda. O cimento LC3 tem o potencial de reduzir significativamente as emissões globais de CO2. Imagem: LC3 Project/Stefan Wermuth/WEF/Reprodução.

O concreto é produzido em uma escala realmente enorme. Todos os anos, quatro toneladas de concreto são produzidas para cada pessoa na Terra – mas tal escala de produção tem um preço. O cimento, cola que une o concreto, é responsável por 8% de todas as emissões globais. Portanto, é vital encontrar uma solução para reduzir os impactos climáticos do concreto e, ao mesmo tempo, atender às necessidades das economias em crescimento.

O clínquer, componente-chave do cimento, é extremamente forte em carbono, representando 90% das emissões totais do cimento usado na fabricação do concreto. Felizmente, há uma série de estratégias comprovadas que podem reduzir drasticamente a quantidade de clínquer que é usada no cimento e no concreto. Uma das soluções mais promissoras chama-se LC3 — Cimento de Argila Calcinada Calcária.

LC3 é a inovação que muda a indústria do cimento

O LC3 resolve ambas as fontes de emissões de carbono provenientes da fabricação de clínquer. Primeiro, metade do clínquer é substituído por argila calcinada e calcário moído, sendo que nenhum destes libera carbono quando aquecido da mesma forma que o calcário. Segundo, a argila é aquecida a uma temperatura muito mais baixa, o que reduz a quantidade de combustível necessária e as emissões resultantes.

Com temperaturas mais baixas, também é mais viável mudar para fontes energéticas mais limpas, como a eletricidade, do que fazer clínquer. Se o LC3 substituir metade do clínquer, ele pode reduzir as emissões de CO2 [dióxido de carbono] em aproximadamente 40% quando comparadas com as emissões do cimento convencional.

O LC3 reduz a quantidade de clínquer, intensiva em carbono, que é usado no cimento, reduzindo significativamente as emissões gerais. Imagem: Projeto LC3/Design by Zoï Environment Network/WEF/Reprodução.

A LC3 também é funcional. É menos permeável à água e ao sal, tornando as estradas e pontes de concreto mais resistentes e duradouras, reduzindo o custo e os problemas oriundos da substituição. Como demanda menos energia para fazer e usa argila largamente disponível, o LC3 pode ser produzido a um custo menor, de até 25%.

Redução de 500 milhões de toneladas de CO2 até 2030

O LC3 está crescendo rapidamente e atualmente é produzido em várias fábricas ao redor do mundo. Cada tonelada de argila calcinada produzida resulta na economia de 600 quilos de CO2. Até o final de 2023, o LC3 terá economizado cerca de 15 milhões de toneladas de CO2. Até 2025, espera-se que a economia seja de 45 milhões de toneladas. E se a indústria do cimento adotar o uso do LC3 de forma ampla até 2030, ela poderá ajudar a evitar até 500 milhões de toneladas de emissões de CO2.

Muitos dos principais produtores de cimento estão em processo de adoção do cimento argiloso calcinado. A Holcim, por exemplo, anunciou em janeiro de 2023 o lançamento das operações de uma fábrica na França que entregará anualmente até 500 mil toneladas de cimento de baixo carbono. A Argos Cementos, da Colômbia, produz anualmente 2,3 milhões de toneladas de cimento LC3 – que já está sendo usado na construção local de estradas, túneis e edifícios.

O futuro do cimento no Sul Global

Nos próximos anos e décadas, a maioria das novas construções em todo o mundo ocorrerá no Sul Global [países em desenvolvimento], particularmente na África, onde a população deve aumentar em 1 bilhão até 2050 – o que significa muito cimento.

O Sul Global, particularmente a África e a Ásia, exigirá enormes quantidades de cimento no futuro. Imagem: Projeto LC3/Design by Zoï Environment Network/WEF/Reprodução.

A África tem a população que mais cresce no mundo, mas o calcário adequado para fabricar clínquer é pouco disponível no continente. Hoje, a importação dispendiosa de clínquer tem um impacto direto nos custos, causa problemas de acessibilidade para habitação e infraestrutura. Felizmente, as argilas são os produtos resistentes dos tipos de rochas comuns. Portanto, elas estão amplamente disponíveis na maioria dos cenários geológicos. Argilas contendo caulinita – tipos mais adequados de argila para LC3 – estão disponíveis de forma abundante em toda a África.

Ao adotar a tecnologia LC3 e substituir uma boa parte do clínquer por recursos locais, os países africanos – e outros em todo o Sul Global – podem criar indústrias locais de classe mundial e colher os benefícios econômicos e de emprego. Isso reduzirá a necessidade de importar clínquer com moeda estrangeira e permitirá a construção de moradias e infraestrutura a custos mais baixos, ao mesmo tempo em que limitará as emissões de CO2.

Uma reinvenção da cadeia de valor do concreto

Reduzir a quantidade de clínquer no cimento também reduz as emissões de sua produção, mas há muitas estratégias adicionais se olharmos para toda a cadeia de valor do concreto.

Ao melhorar a eficiência energética das fábricas e utilizar combustíveis alternativos, como os oriundos de resíduos, será possível reduzir ainda mais o CO2 proveniente da produção de clínquer. Ao selecionar cuidadosamente as gradações de tamanho de agregados, haverá menos espaço vazio para a pasta de cimento preencher, economizando no custo do cimento e diminuindo as emissões.

Também podemos melhorar o design e a eficiência do concreto usado em estruturas e edifícios. A Associação Global de Cimento e Concreto estima que isso poderia economizar 22% da quantidade de concreto, além de reduzir seus custos. Por último, adaptar certos elementos de design, aumentar a eficiência e a reciclagem de materiais, reduzirão ainda mais o impacto do concreto no clima.

Se todas essas estratégias forem combinadas, usando as tecnologias atuais, será possível alcançar até 80% de redução nas emissões de cimento e concreto. Para alcançar esse objetivo, as partes interessadas em toda a indústria devem trabalhar juntas, desde os produtores de cimento e concreto, empreiteiros e parceiros comerciais, a equipes de design e proprietários.

Mudar as práticas existentes e ganhar impulso para uma mudança em todo o setor requer diligência e perseverança. É necessário que os setores público e privado tenham uma forte vontade de trabalhar em conjunto no sentido de facilitar a transição para emissões líquidas iguais a zero na indústria da construção e fornecer soluções para o crescimento sustentável. Agora, mais do que nunca, precisamos da cooperação público-privada para ver as soluções reais aumentarem.

Artigo original (em inglês) publicado por Karen Scrivener, Jeremy Packham e Scott Shell no Fórum Econômico Mundial–WEF.

Sobre os autores


Karen Scrivener
Chefe do Laboratório de Materiais de Construção e Diretora de Projetos LC3, na EPFL


Jeremy Packham
Gerente de Comunicação de Projetos LC3, na EPFL


Scott Shell
Diretor Associado para a Indústria, na Fundação ClimateWorks

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