Baterias de veículos elétricos podem ser recicladas?

Imagem de um veículo elétrico pintado no chão para ilustrar o artigo cujo título é uma pergunta: as baterias de veículos elétricos podem ser recicladas? Foto: Michael Marais/Unsplash
O carro elétrico torna possível descarbonizar parcialmente o transporte, mas o destino de suas baterias após o uso continua sendo uma questão em aberto. Foto: Michael Marais/Unsplash

O número de baterias de íons de lítio (LIBs) que foram fabricadas entre os anos de 2000 e 2018 foi multiplicado por 80. Em 2018, 66% delas foram utilizadas em veículos elétricos (EVs). O desenvolvimento planejado da mobilidade elétrica aumentará a demanda por baterias – o que faz a Agência Internacional de Energia estimar que sua demanda deva aumentar 17 vezes entre 2019 e 2030. Com tanta bateria sendo produzida, uma pergunta precisa ser respondida: as baterias de veículos elétricos podem ser recicladas?

Tal crescimento na produção de baterias levanta muitas questões relacionadas com os materiais utilizados em sua fabricação. Ou seja, quais são os recursos envolvidos? Quais são os impactos ambientais para extrair tais recursos? Eles podem ser reciclados?

Ao analisar os materiais das LIBs que são atualmente usados ​​na grande maioria dos EVs, a primeira coisa a perceber é que existem vários tipos de tecnologia de bateria. Embora todas tenham lítio, os outros componentes variam: baterias de telefone ou computador possuem cobalto, enquanto que as de veículos elétricos podem conter cobalto e níquel ou manganês, ou nenhum, no caso de tecnologias de fosfato de ferro.

Por se tratar de um segredo comercial, a exata composição química desses componentes de armazenamento é difícil de identificar. Além disso, melhorias nas baterias são feitas regularmente para aumentar seu desempenho, de modo que sua composição química evolua ao longo do tempo. De qualquer forma, os principais materiais envolvidos na fabricação de LIBs são lítio, cobalto, níquel, manganês e grafite. Todos eles foram identificados como materiais que apresentam riscos ambientais e de abastecimento.

Outra questão complexa diz respeito à oferta desses materiais. Se por um lado, o valor das reservas está sujeito a considerações geopolíticas e evoluções nas técnicas de extração, por outro, as necessidades de materiais são muito sensíveis às previsões hipotéticas (número de EVs e tamanho da bateria).

Impactos ambientais

A questão dos impactos ambientais da fabricação de baterias talvez seja ainda mais importante. Mesmo que haja materiais suficientes, os impactos de seu uso devem ser seriamente considerados.

Estudos mostram que a fabricação de baterias pode representar sérios impactos relacionados com a toxicidade humana ou com a poluição do ecossistema, sem contar que há a necessidade de monitorar as condições de trabalho em alguns países. Além disso, a avaliação dos impactos ambientais requer o pleno conhecimento da composição das baterias e dos processos de fabricação, mas essas informações são de difícil obtenção por motivos óbvios relacionados à propriedade industrial.

Soluções para limitar riscos e impactos

Existem duas famílias principais de processos de reciclagem de baterias, usados ​​separadamente ou em combinação, que podem fornecer soluções para limitar esses riscos e impactos.

• Pirometalurgia: destrói os componentes orgânicos e plásticos, expondo-os a altas temperaturas, deixando apenas os componentes metálicos (níquel, cobalto, cobre, etc.), os quais podem ser separados por processos químicos.

• Hidrometalurgia: não inclui a etapa de alta temperatura. Em vez disso, separa os componentes apenas por diferentes banhos de soluções que são quimicamente adaptados aos materiais a serem recuperados.

Em ambos os casos, as baterias devem primeiro ser moídas até virarem pó. Os dois processos atualmente operam em escala industrial na reciclagem de LIBs de telefones e laptops para recuperar o cobalto contido nas baterias. Esse material é tão precioso que sua recuperação garante a rentabilidade econômica do atual setor de reciclagem da LIB.

Mas como nem todas as tecnologias LIB usadas para EVs contêm cobalto, a questão do modelo econômico para reciclar as baterias permanece sem solução, e ainda não existe um setor industrial real para reciclá-las. A principal razão é a falta de um volume de baterias que seja suficiente para que elas possam ser processadas, visto que o lançamento generalizado de EVs é algo relativamente recente e a vida útil de suas baterias ainda não chegou ao fim.

Além disso, a própria definição desse fim de vida é objeto de discussão. Por exemplo, as baterias de “tração” (que permitem que os EVs funcionem) são consideradas impróprias para uso quando perdem entre 20 e 30% de sua capacidade – o que corresponde a uma perda equivalente na autonomia do veículo.

As baterias de EVs podem ter uma segunda vida?

Existe um debate atual em torno da possibilidade de uma “segunda vida” para as baterias de EVs no sentido de estender seu uso e, assim, reduzir seus impactos ambientais. As primeiras questões a considerar dizem respeito à reconfiguração necessária para a bateria e seu mecanismo de monitoramento elétrico. Em seguida, devem ser identificadas as possíveis utilizações para essas baterias que apresentem capacidade “reduzida”. Elas poderiam ser usadas ​​para armazenamento de energia da rede elétrica, já que muitos experimentos foram realizados nesta área.

Algumas baterias de EV poderiam ser reutilizadas em fazendas solares, por exemplo – um modelo econômico e ambiental que tem sido amplamente discutido. Aqui, a bateria de um eMini.
Foto: Underway in Ireland/Flickr, CC BY-NC-SA

No entanto, um grande ator como a operadora e gestora da rede de transmissão de eletricidade da França, RTE, acredita que essa possibilidade é funcional e economicamente inadequada, e recomenda que as baterias de EVs sejam recicladas no final de sua primeira vida útil.

Setor de reciclagem para a evolução das tecnologias

O estabelecimento de um setor de reciclagem que possa se adaptar ao longo da evolução das tecnologias exigirá também um modelo econômico capaz de se adaptar à gama de tecnologias de baterias, sem ter que usar um número grande de processos de reciclagem diferentes.

Por fim, deve-se notar que questões de impacto ambiental e reciclagem não são simples de resolver, pois as tecnologias ainda não atingiram um grau de maturidade, nem sua sustentabilidade no longo prazo está garantida. As LIBs evoluem muito rapidamente – com as tecnologias de baterias de metal de lítio agora sendo projetadas, por exemplo – e estamos até vendo a chegada de tecnologias concorrentes sem o uso do lítio, como as de íon de sódio.

Por todas essas razões, os impactos ambientais, econômicos e sociais da fabricação e reciclagem de baterias de veículos elétricos e seus materiais devem continuar a ser estudados. É essencial continuar exercendo pressão legislativa e popular para obter transparência em torno dos processos de fabricação, para que possamos quantificar seus impactos e identificar maneiras de limitá-los. Os próximos programas europeus de pesquisa também se posicionam nesta área, incluindo a dimensão ambiental do desenvolvimento de novas baterias.

A maneira de limitar o uso de baterias elétricas é limitar o tamanho e a potência dos veículos motorizados.
Foto: Filip Mroz/Unsplash, CC BY

No entanto, não devemos ficar sentados esperando por alguma tecnologia de bateria milagrosa, limpa, de alto desempenho e barata – que é mais como um sonho. É importante desacelerarmos o crescimento do tamanho da bateria do EV e, portanto, limitar a potência, a massa e a autonomia dos próprios veículos.

Isso significa que precisaremos repensar como nos locomovemos – deixando o modelo baseado no carro – em vez de procurar substituir um tipo de tecnologia (movida a combustão) por outra (movida a motor elétrico).

Artigo original (em francês) publicado por Serge Pelissier na Universidade Gustave Eiffel e republicado (em inglês) pela The Conversation.



Sobre o autor
Serge Pelissier é pesquisador em armazenamento de energia em transporte na Universidade Gustave Eiffel.

Similar Posts