Qual o segredo das flores do deserto mais seco do mundo?

Imagem do deserto florido do Atacama para ilustrar artigo sobre qual o segredo das flores do deserto mais seco do mundo? Foto: Cortesia Carolina Salaza Coloma/Flickr
Foto: Cortesia Carolina Salaza Coloma/Flickr

O lugar mais seco da Terra é o deserto do Atacama, no Chile. Ele se estende por aproximadamente 1.600 km ao longo da costa oeste do cone da América do Sul. Algumas estações meteorológicas nunca registraram chuvas naquela área desde que as estações existem. No entanto, o deserto está longe de ser estéril: nele vivem muitas espécies adaptadas às suas condições extremas e que não aparecem em nenhum outro lugar.

Aproximadamente a cada 5 a 10 anos, entre setembro e meados de novembro, o Atacama abriga uma das vistas mais espetaculares do mundo natural: o deserto florido. Essas florações em massa, uma das quais está ocorrendo no norte do deserto, costumam atrair a atenção da mídia de todo o mundo.

Mas quais mecanismos fisiológicos e evolutivos possibilitam a grande diversidade de cores, formas e padrões visuais das flores durante os desertos floridos? E como os polinizadores percebem toda essa variação, principalmente os himenópteros [grande ordem de insetos de asas membranosas] do tipo vespas e abelhas solitárias do Atacama – para as quais o benefício dessa extravagância visual evoluiu? Esse é o assunto de um novo estudo no periódico científico Frontiers in Ecology and Evolution.

“Nosso objetivo era lançar luz sobre os mecanismos ecológicos e evolutivos que causam a diversidade biológica em ambientes extremos como o deserto do Atacama”, disse o primeiro autor do estudo, Dr. Jaime Martínez-Harms, cientista do Instituto de Pesquisa Agrícola de La Cruz, Chile.

“Aqui mostramos que as flores do pussypaw Cistanthe longiscapa, uma espécie representativa dos desertos floridos do Atacama, são altamente variáveis ​​na cor e nos padrões que apresentam aos polinizadores. Essa variabilidade provavelmente é o resultado de pigmentos diferentes – os assim chamados ‘betalaína’ – nas pétalas das flores.”

Espécie modelo

Martínez-Harms e colegas estudaram um evento no deserto florido no final de 2021, perto da cidade de Caldera, no norte do Chile. Apesar de ser menor em tamanho do que o evento que está acontecendo atualmente, ele era claramente visível aos satélites.

Uma espécie dominante foi a C. longiscapa (da família Montiaceae), uma planta de até 20 cm de altura que floresceu de duas formas distintas por dezenas de quilômetros. As manchas que elas apresentavam consistiam – para os olhos humanos – de flores uniformemente roxas e amarelas. Entre elas cresceram numerosas flores intermediárias (ou seja, avermelhadas, rosadas e brancas) da mesma espécie, sugerindo fortemente que os morfos roxo e amarelo são variantes hereditários que podem cruzar.

Deserto florido 2015, perto de Vallenar. Foto: cortesia Pato Novoa (Valparaíso, Chile)/Wikimedia Commons

Visualizando as flores como os insetos as veem

Os insetos, com seus olhos compostos e sensibilidades diferentes, veem o mundo de maneira muito diferente de nós. Por exemplo, a maioria dos himenópteros apresenta três tipos de fotorreceptores extremamente sensíveis a UV, azul e verde.

Martínez-Harms e colegas usaram câmeras sensíveis à luz visível e ultravioleta e espectrômetros para medir a reflexão, absorção e transmissão de comprimentos diferentes de onda pelas pétalas de um total de 110 flores roxas, amarelas, vermelhas, rosas e brancas de C. longiscapa. Isso permitiu que eles produzissem imagens compostas dessas variantes, vistas por suas muitas espécies de polinizadores.

Diversidade escondida dos olhos humanos

Os resultados mostram que apenas dentro dessa única espécie de planta, a diversidade perceptível para os polinizadores era maior do que para nós. Por exemplo, os himenópteros, assim como nós, podem facilmente distinguir entre as variantes vermelha, roxa, branca e amarela. Mas eles também podem distinguir entre flores com alto e baixo reflexo UV entre flores amarelas e roxas. Um “padrão de alvo” UV no coração de algumas flores, que guia os polinizadores para o néctar e o pólen, é invisível para nós.

Uma exceção são os C. longiscapa cor-de-rosa e avermelhados que refletem os raios ultravioleta, que são bastante distintos aos olhos humanos, mas provavelmente parecem semelhantes aos himenópteros.

Essa diversidade visual das flores de C. longiscapa provavelmente se deve principalmente às diferenças entre betalaínas – pigmentos amarelos, laranjas e roxos que são uma característica típica da ordem de plantas Caryophyllales, à qual pertencem os pussypaws. As betalaínas não apenas dão cores às flores: elas também as protegem da seca, estresse salino e danos causados ​​por radicais reativos de oxigênio sob estresse ambiental – características altamente benéficas em desertos.

Polinizadores direcionam a seleção para novas variantes

Os autores levantaram a hipótese de que a diversidade observada nas flores de C. longiscapa é impulsionada por diferenças na sensibilidade e preferência por cores e padrões diferentes em muitas espécies de polinizadores: um experimento evolutivo acontecendo neste momento e que escapa à nossa visão.

“A grande variação na cor das flores dentro da C. longiscapa pode ser explicada se espécies diferentes de insetos polinizadores – por meio de sua preferência por cores e padrões específicos de flores – pudessem fazer com que essas variantes se tornassem reprodutivamente isoladas de outros indivíduos da mesma espécie de planta. Em última análise, este processo contínuo poderia representar a origem de novas raças ou espécies”, disse Martínez-Harms.

“Em nossos próximos estudos, investigaremos mais a identidade química e as vias de síntese biológica de betalaínas e outros pigmentos de flores, bem como sua relação com características como os aromas produzidos pelas flores. Isso deve nos ajudar a entender seu papel na formação das interações entre as plantas e seus polinizadores e na tolerância das plantas a estressores bióticos e abióticos sob condições climáticas flutuantes”, disse Martínez-Harms.

Mais informações no artigo científico Mechanisms of flower coloring and eco-evolutionary implications of massive blooming events in the Atacama Desert, Frontiers in Ecology and Evolution(2022). DOI: 10.3389/fevo.2022.957318.

Fonte: Frontier in Soil Science

Artigo original (em inglês) publicado pela Phys.Org.

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