Haverá lítio para 2 bilhões de EVs necessários para o net zero?

Carro elétrico sendo carregado por tomada ilustra artigo sobre se haverá lítio para 2 bilhões de EVs necessários para o net zero. Foto: WEF
O crescimento de veículos elétricos tem sido considerável e corre-se o risco de não haver lítio suficiente para abastecer as baterias de toda a frota futura. Foto: WEF

O lítio é um metal não ferroso conhecido como “ouro branco” e é um dos principais componentes das baterias de veículos elétricos (EV – Electric Vehicle), ao lado do níquel e do cobalto. Mas a crescente demanda por EVs está sobrecarregando a oferta global de lítio. E assim vem a pergunta: haverá lítio para 2 bilhões de EVs necessários para o net zero?

As vendas globais de EVs pularam de 3 milhões em 2020 para 6,6 milhões em 2021, fazendo com que os EVs representassem 9% do mercado, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA). Eles foram responsáveis ​​por todo o crescimento nas vendas mundiais de carros, que subiram para 66,7 milhões no ano passado, acima dos 63,8 milhões em 2020. Isso implica numa queda de 700 mil unidades de veículos não elétricos.

A venda de carros a gasolina e diesel deve cair rapidamente nesta década. Gráfico adaptado de Statista

As vendas de carros a gasolina e diesel devem cair ainda mais rapidamente na próxima década, na medida em que mais países se comprometem a eliminá-los gradualmente. Nas negociações do clima na COP26 em 2021, 30 países disseram que interromperiam as vendas de novos modelos a gasolina e diesel até 2040.

De quanto lítio a bateria de um veículo elétrico precisa?

Uma bateria de íons de lítio para um único veículo elétrico contém cerca de 8 quilos de lítio, de acordo com dados do Departamento de Energia e do centro de pesquisa de engenharia do Laboratório Nacional Argonne, ambos dos EUA.

De acordo com o U.S. Geological Survey, a produção global de lítio no ano passado atingiu 90,7 milhões de quilos, enquanto que suas reservas mundiais estão por volta dos 20 bilhões de quilos.

Dividir a produção de lítio pela quantidade necessária de bateria mostra que o lítio extraído no ano passado foi suficiente para produzir pouco menos de 11,4 milhões de baterias de veículos elétricos. Este é um nível que as vendas anuais de EVs podem atingir em breve, visto que as vendas do primeiro trimestre aumentaram 75% no ano, atingindo 2 milhões de unidades, segundo dados da IEA.

A demanda de lítio pode em breve exceder a oferta. Gráfico adaptado de Statista

Usando o mesmo tipo de cálculo sugere que as reservas globais são suficientes para produzir pouco menos de 2,5 bilhões de baterias. O roteiro Net Zero da IEA até 2050 diz que o mundo precisará de 2 bilhões de veículos elétricos a bateria (BEV – Battery Electric Vehicle), híbridos plug-in (PHEV – Plug-in Hybrid Electric Vehicle) e elétricos de célula de combustível (HEV – Hybrid Electric Vehicle) nas estradas até aquele ano para atingir o net zero.

No entanto, nem todo o lítio do mundo pode ser usado em baterias de EVs, visto que o metal também é usado em baterias para uma série de outros itens, como laptops e telefones celulares, além de aviões, trens e bicicletas.

A mineração de lítio e as armadilhas potenciais

Se por um lado as reservas mundiais de lítio são teoricamente suficientes para atender ao aumento esperado da demanda, por outro, isso pressupõe que todas as reservas podem ser colocadas em produção e que todas são boas para o uso em baterias – o que é improvável.

“Apenas um punhado de empresas pode produzir produtos químicos de lítio de alta qualidade e alta pureza”, diz a IEA. “Enquanto vários projetos de expansão planejados estão em andamento, há um ponto de interrogação sobre a rapidez com que sua capacidade pode entrar em operação.”

As minas de lítio que iniciaram as operações entre 2010 e 2019 levaram em média 16,5 anos para serem desenvolvidas, de acordo com o relatório The Role of Critical Minerals in Clean Energy Transitions, da IEA. A McKinsey estima que mais de 80% dos projetos de mineração são concluídos com atraso.

A IEA diz que o mundo pode enfrentar escassez de lítio até 2025. E o Credit Suisse diz que a demanda de lítio pode triplicar entre 2020 e 2025, o que significa que “a oferta seria esticada”.

O grupo Transporte e Meio Ambiente diz que há apenas lítio suficiente para produzir até 14 milhões de veículos elétricos em 2023, relata a Reuters. Dada a trajetória das vendas de veículos elétricos, conforme mostrado no gráfico abaixo, isso pode deixar de mãos vazias muitos dos possíveis compradores.

 Vendas de veículos elétricos cresceram 108% em 2021. Gráfico adaptado de EVvolumes.com

Simplesmente não haverá lítio suficiente na face do planeta, independentemente de quem expande e de quem entrega, simplesmente não haverá”, disse Stuart Crow, presidente da Lake Resources, ao Financial Times. “Os fabricantes de automóveis estão começando a sentir que talvez os fabricantes de baterias não sejam capazes de [suprir a demanda]”.

As vendas de veículos elétricos da Volkswagen para os mercados dos EUA e Europa já se esgotaram em 2022. A van E-Transit da Ford esgotou antes mesmo do início da produção.

Barreiras para o fornecimento de lítio

A concentração que o lítio tem em poucos lugares torna-se outro obstáculo potencial para que ele seja usado em veículos elétricos em todo o mundo.

“A China possui basicamente de 70-80% de toda a cadeia de suprimentos para veículos elétricos e baterias de íons de lítio”, disse Stuart Crow, da Lake Resources, ao Financial Times. A IEA coloca a participação da China na produção global de produtos químicos de lítio em 60% e diz que representa 80% da produção de hidróxido de lítio. “Cinco grandes empresas são responsáveis ​​por três quartos da capacidade de produção global”, diz ele.

A Austrália teve a maior produção em 2021, segundo o U.S. Geological Survey, mas o Chile tem as maiores reservas de lítio do mundo. O país sul-americano faz parte do chamado “Triângulo do Lítio”, junto com a Bolívia e a Argentina. Pouco menos de 60% dos recursos de lítio da Terra são encontrados nesses três países, de acordo com o Resumo de Commodities Minerais do U.S. Geological Survey de 2021.

No entanto, a extração de lítio requer volumes muito altos de água, e isso está causando problemas de estresse hídrico – uma situação em que os recursos hídricos de uma região não são suficientes para atender as necessidades locais.

Isto é particularmente preocupante dado que muito lítio é encontrado em regiões propensas a secas – como América do Sul e Austrália. A mina San Cristóbal, na Bolívia, supostamente usa 50.000 litros de água por dia, e as empresas de mineração de lítio no Chile foram acusadas de esgotar suprimentos vitais de água.

Mais da metade da produção de lítio atual está em áreas com alto estresse hídrico, diz a IEA. “Muitas das grandes regiões produtoras, como Austrália, China e África, também estão sujeitas a calor extremo ou inundações, o que representa maiores desafios para garantir suprimentos confiáveis ​​e sustentáveis”, acrescenta.

A Sérvia este ano retirou as licenças para uma mina de lítio por causa de protestos generalizados. Os manifestantes disseram que o local contaminaria o abastecimento de água e danificaria a paisagem de forma irreversível.

Reinventar e reciclar

Os EVs continuam sendo um mercado relativamente novo, o que significa que desenvolvimentos com baterias ou métodos de fabricação ainda podem estar à frente, o que poderia aliviar a potencial escassez de lítio.

“Tecnologias emergentes, como extração direta de lítio ou recuperação aprimorada de metais de fluxos de resíduos ou minérios de baixo teor, oferecem o potencial para uma mudança radical nos volumes de fornecimento futuros”, diz a IEA em The Role of Critical Minerals in Clean Energy Transitions.

Ela também diz que a quantidade de baterias usadas que chegam ao fim de sua vida útil inicial deve aumentar após 2030. A reciclagem de baterias pode reduzir os requisitos de fornecimento de lítio em cerca de um décimo até 2040, diz.

O Fórum Econômico Mundial faz uma previsão semelhante em seu relatório A Vision for a Sustainable Battery Value Chain in 2030. “No caso base, estima-se que 54% das baterias em fim de vida sejam recicladas em 2030”, disse, acrescentando que isso poderia cobrir 7% da demanda por matérias-primas usadas na produção de baterias naquele ano.

Um mercado emergente de veículos elétricos de segunda mão também pode aliviar alguns dos problemas de fornecimento. A China está tentando ativamente desenvolver um mercado de veículos elétricos usados, informa a Bloomberg, dizendo que essas vendas quase dobraram entre 2017 e 2020, chegando a 47 mil unidades.

As vendas de veículos elétricos usados do Reino Unido mais que dobraram no período de janeiro a março em comparação com o do ano anterior, elevando-as para 14.586 unidades. Como na China, não é um número grande, mas se as vendas de novos veículos elétricos continuarem acelerando, as de segunda mão inevitavelmente também continuarão.

Artigo original (em inglês) publicado pelo Fórum Econômico Mundial–WEF.

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