Primeiro supercomputador capaz de simular redes de neurônios

Imagem de uma silhueta humana que apresenta na área do cérebro uma renderização feita por inteligência artificial de uma sinapse ilustram post que fala sobre o primeiro supercomputador capaz de simular redes de neurônios.
Imagem de uma sinapse gerada por inteligência artificial. Créditos: Gordon Johnson (silhueta)/Miroslaw Miras (Sinapse)/Pixabay. Edição da foto: Sustenare.
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Um supercomputador programado para entrar em operação em abril de 2024 vai se equiparar com a taxa estimada de operações realizadas pelo cérebro humano, de acordo com pesquisadores de uma universidade na Austrália. A máquina, chamada DeepSouth, é capaz de realizar 228 trilhões de operações por segundo. No mundo, este será o primeiro supercomputador capaz de simular redes de neurônios e sinapses (estruturas biológicas fundamentais que compõem nosso sistema nervoso) na escala do cérebro humano.

O DeepSouth pertence a uma abordagem conhecida como computação neuromórfica, que visa imitar os processos biológicos do cérebro humano e será executado a partir do Centro Internacional de Sistemas Neuromórficos da Western Sydney University.

Nosso cérebro é a máquina de computação mais incrível que conhecemos. Ao distribuir seu poder computacional para bilhões de pequenas unidades (neurônios) que interagem por meio de trilhões de conexões (sinapses), o cérebro pode rivalizar com os supercomputadores mais poderosos do mundo, exigindo apenas a mesma energia usada por uma lâmpada de geladeira.

Queremos garantir que o conhecimento dos cientistas chegue a milhões

Por sua vez, os supercomputadores geralmente ocupam muito espaço e demandam uma quantidade enorme de energia elétrica para funcionar. O supercomputador mais poderoso do mundo, o Hewlett Packard Enterprise Frontier, pode realizar pouco mais de um quintilhão de operações por segundo. Ele cobre 680 metros quadrados e requer 22,7 megawatts (MW) para funcionar.

Nossos cérebros pesam entre 1,3 kg e 1,4 kg e podem realizar o mesmo número de operações por segundo com apenas 20 watts de potência. Entre outras coisas, a computação neuromórfica visa desvendar os segredos dessa incrível eficiência.

Os transistores estão nos limites

Em 30 de junho de 1945, o matemático e físico John von Neumann descreveu o projeto de uma nova máquina, o Edvac. Isso efetivamente definiu o computador eletrônico moderno como hoje o conhecemos.

Meu smartphone e o laptop que estou usando para escrever este artigo, juntos com o supercomputador mais poderoso do mundo, todos compartilham a mesma estrutura fundamental introduzida por Neumann há quase 80 anos. Todos eles têm unidades distintas de processamento e memória, onde os dados e instruções são armazenados e computados por um processador.

A contínua miniaturização de transistores em microchips é limitada pelas leis da física. Imagem: PublicDomainPictures/Pixabay.

Durante décadas, o número de transistores em um microchip dobrou aproximadamente a cada dois anos – uma observação conhecida como Lei de Moore. Isso nos permitiu ter computadores menores e mais baratos.

No entanto, os tamanhos dos transistores atuais estão se aproximando da escala atômica. Nesses tamanhos minúsculos, a geração excessiva de calor se torna um problema, da mesma forma que um fenômeno chamado tunelamento quântico, o qual interfere no funcionamento dos transistores, desacelera a miniaturização dos mesmos e resultará em sua interrupção.

Para superar tais problemas, os cientistas estão explorando novas abordagens para a computação, começando pelo poderoso computador que todos nós temos escondido em nossas cabeças: o cérebro humano. Nossos cérebros não funcionam de acordo com o modelo do computador de John von Neumann. Eles não têm áreas de computação e memória separadas.

Em vez disso, eles funcionam conectando bilhões de células nervosas que comunicam informações na forma de impulsos elétricos. A informação pode ser passada de um neurônio para outro por meio de uma junção chamada sinapse. A organização de neurônios e sinapses no cérebro é flexível, escalável e eficiente.

Dessa forma, no cérebro – e ao contrário do computador – a memória e a computação são governadas pelos mesmos neurônios e sinapses. Desde o final da década de 1980, cientistas estudam esse modelo com a intenção de importá-lo para a computação.

Imitação da vida

Os computadores neuromórficos têm bases em redes intrincadas de processadores que são simples e elementares (que agem como neurônios e sinapses do cérebro). A principal vantagem disso é que essas máquinas são inerentemente ”paralelas“– o que significa que, como acontece com os neurônios e sinapses, praticamente todos os processadores de um computador podem estar operando simultaneamente e se comunicando em conjunto.

Imagem de um data center para ilustrar o post que fala sobre o primeiro supercomputador capaz de simular redes de neurônios.
Sistemas computacionais convencionais consomem muita energia. Imagem: DC Studio/Freepik.

Além disso, como os cálculos realizados por neurônios e sinapses individuais são muito simples em comparação com os de computadores tradicionais, o consumo de energia é menor em magnitude. Embora os neurônios às vezes sejam considerados como unidades de processamento e as sinapses como unidades de memória, eles contribuem tanto para o processamento quanto para o armazenamento. Em outras palavras, os dados já estão localizados onde a computação exige que estejam.

Em geral, isso acelera a computação do cérebro porque não há separação entre memória e processador, o que nas máquinas clássicas (de Neumann) causa uma desaceleração. Mas também evita a necessidade de realizar uma tarefa específica de acessar os dados a partir de um componente principal de memória, como acontece em sistemas computacionais convencionais e consome uma quantidade considerável de energia.

Os princípios que acabamos de descrever são a principal inspiração para o DeepSouth. Este não é o único sistema neuromórfico atualmente ativo. Vale a pena mencionar o Human Brain Project (HBP), financiado no âmbito de uma iniciativa da União Europeia. O HBP funcionou de 2013 a 2023 e deu origem à máquina BrainScaleS, localizada em Heidelberg, na Alemanha, que emula a forma como os neurônios e as sinapses funcionam.

O BrainScaleS pode simular a maneira como os neurônios “disparam” – a maneira como um impulso elétrico viaja ao longo de um neurônio em nossos cérebros. Isso tornaria a máquina BrainScaleS uma candidata ideal para investigar a mecânica dos processos cognitivos e, no futuro, os mecanismos subjacentes às doenças neurológicas e neurodegenerativas graves.

Por serem projetados para imitar cérebros reais, os computadores neuromórficos podem ser o início de um ponto de virada. Oferecendo força computacional sustentável e acessível e permitindo que os pesquisadores avaliem modelos de sistemas neurológicos, eles são a plataforma ideal para uma variedade de utilidades. Eles têm o potencial de avançar nossa compreensão do cérebro e oferecer novas abordagens para a inteligência artificial.

Artigo original (em inglês) publicado por Domenico Vicinanza na The Conversation UK.

Sobre o autor
Domenico Vicinanza é Ph.D. e Mestre em Física e já trabalhou em organizações como a NASA (EUA) e o CERN (Suíça). Sua pesquisa tem aparecido em vários periódicos científicos internacionais e suas entrevistas publicadas no Financial Times, The Guardian, The Times, BBC, CNN, Discovery Channel, entre outros. Ele é professor associado de Sistemas Inteligentes e Ciência dos Dados na Anglia Ruskin University.

Declaração de Transparência:

Domenico Vicinanza não trabalha, não faz consultoria, nem possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e também não revelou nenhum vínculo relevante além do cargo acadêmico que ocupa.

A Anglia Ruskin University (ARU) fornece financiamento como membro do The Conversation UK.

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