Há 40 anos já se sabe que o reciclo de plásticos não funciona

Imagem de uma caixa plástica azul contendo embalagens plásticas e de papelão ilustra o post cujo título diz que há 40 anos já se sabe que o reciclo de plásticos não funciona.
A reciclagem plástica não pode ser considerada uma solução permanente para os resíduos sólidos. Créditos: BuildPix/Construction Photography/Avalon/Getty Images/Grist.
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Há 40 anos, empresas petroquímicas e de plástico tentam convencer o público de que os plásticos podem ser reciclados. Mas pelo mesmo espaço de tempo elas têm conhecimento de que a reciclagem de plásticos nunca funcionaria.

Um relatório divulgado [recentemente] pela organização sem fins lucrativos Center for Climate Integrity, ou CCI, narra uma “campanha de décadas de fraude e engano” da Big Oil e da indústria de plásticos para promover a reciclagem como uma solução para a crise da poluição plástica.

Documentos novos mostram que os executivos da indústria impulsionaram a reciclagem de plásticos, apesar de saberem desde a década de 1980 que ela “não pode ser considerada uma solução permanente para os resíduos sólidos” e que os plásticos reciclados nunca seriam capazes de competir economicamente com o material virgem.

Atualmente, a taxa de reciclagem plástica nos Estados Unidos é de 5–6%. Nunca passou de 10%.

Os autores do relatório comparam a campanha de reciclagem da indústria de plásticos às táticas [das grandes empresas de petróleo] para convencer o público de que seus produtos não causam mudanças climáticas. Muitas empresas têm se envolvido em ambos os esforços, visto que os plásticos são feitos de combustíveis fósseis. “As mentiras da indústria do petróleo estão no centro das duas crises de poluição mais catastróficas da história da humanidade”, disse Richard Wiles, presidente da CCI, em um comunicado.

A CCI rastreia o apoio da indústria à reciclagem de plásticos desde a década de 1980, quando ela foi proposta como uma resposta à preocupação pública generalizada com a proliferação do material – especialmente como lixo. Diante da ameaça de regulamentação se aproximando, os representantes do setor sentiram que tinham pouca escolha a não ser “reciclar ou serem banidos”.

Mesmo assim, a indústria reconheceu enormes – e potencialmente intransponíveis – obstáculos à reciclagem de plásticos. E mais importante, não havia mercado para o plástico reciclado por ser muito caro e de baixa qualidade para competir com o material virgem.

Um relatório de 1986 do grupo comercial da indústria de plásticos Instituto Vinyl, descoberto pela CCI, observou que “as exigências de pureza e qualidade estabelecidas para muitos usos excluíam o uso de material reciclado”. No final, o relatório concluiu que a reciclagem “meramente prolonga o tempo até que um item seja descartado”.

Representantes das empresas petroquímicas e de plásticos compartilharam repetidamente preocupações semelhantes em conferências do setor, em notas de reunião e em outros lugares: que a reciclagem de plásticos consumia muita energia, que só funcionaria para uma pequena fração de resíduos plásticos e que um fornecimento rapidamente crescente de materiais virgens “bateriam os preços” do plástico reciclado, conforme escreveu um funcionário do extinto Conselho Americano de Plásticos em notas de reunião obtidas pela CCI.

Davis Allen, um pesquisador investigativo da CCI e principal autor do relatório, disse que muitos dos novos documentos vieram de um ex-funcionário do Conselho Americano de Plásticos. Outros vieram de bancos de dados de documentos da indústria mantidos pela Universidade de Columbia, Universidade de Nova York e Universidade da Califórnia, em São Francisco.

Saco plástico de uma loja da Publix na Flórida promove a reciclagem. Créditos: Lindsey Nicholson/UCG/Universal Images Group via Getty Images/Grist.

Os documentos, disse Allen, sugerem fortemente que as indústrias petroquímica e de plásticos viam a reciclagem como uma maneira de domar a indignação pública e afastar a legislação antiplástico.

Um documento de 1994 cita um representante da Eastman Chemical dizendo que, embora a reciclagem de plásticos possa um dia tornar-se uma realidade, “é mais provável que acordemos e percebamos que a reciclagem não será uma saída para a questão dos resíduos sólidos”.

Outro documento – notas manuscritas de uma reunião entre a Exxon Chemical e o Conselho Americano de Plásticos – cita o então vice-presidente da Exxon dizendo que, quando se trata de reciclagem de plásticos, “estamos comprometidos com as atividades, mas não com os resultados”.

Ainda assim, grupos comerciais e grandes empresas petroquímicas investiram pesado em relações públicas para melhorar a imagem da reciclagem de plásticos. Eles proclamavam metas ambiciosas para aumentar a taxa de reciclagem para, em seguida, ficarem quietos quando não conseguiam cumpri-las, ou mudavam a maneira como mediam seu progresso.

De acordo com a CCI, os anúncios “simplesmente repetiam as mesmas mentiras sobre a viabilidade da reciclagem de plástico”. Por exemplo, um anúncio de 1991 [veiculado] no Ladies’ Home Journal afirmava que “uma garrafa pode voltar a ser uma garrafa, uma vez atrás da outra”. Enquanto isso, materiais educacionais criados para uso nas escolas sugeriam que a reciclagem poderia aliviar a culpa dos alunos pelo uso de alimentos em utensílios feitos de plásticos descartáveis.

Em meados da década de 1990, os resultados pareciam ter valido a pena. Pesquisas da indústria mostraram que a opinião pública sobre os plásticos melhorou muito, assim como diminuíram consideravelmente os esforços no nível estadual para proibir ou restringir a produção de plástico – embora o estado sombrio da reciclagem plástica não tenha melhorado expressivamente.

Hoje, a maioria dos resíduos plásticos é incinerada ou enviada para aterros sanitários, resultando na poluição perigosa do ar e da água que afeta desproporcionalmente as comunidades de baixa renda e de cor.

Enquanto isso, defensores do meio ambiente dizem que o “mito” da reciclagem de plásticos facilitou a expansão irrestrita da indústria – a produção de plástico cresceu quase 230 vezes desde 1950. Espera-se que os plásticos impulsionem quase metade do crescimento da demanda global de petróleo entre 2017 e 2050.

A CCI não é o primeiro grupo a documentar as práticas de comunicação enganosas da indústria do plástico em torno da reciclagem. Uma investigação de 2020 da NPR e da Frontline encontrou amplas evidências de que a indústria de plásticos e seus grupos comerciais promoveram a reciclagem de plásticos, apesar de saberem que era “cara” e “inviável”. Dois ex-executivos do setor disseram aos veículos que a reciclagem foi usada para “anunciar nossa saída” de relações públicas negativas.

Há 40 anos já se sabe que o reciclo de plásticos não funciona como solução permanente para a questão dos resíduos sólidos.
Resíduos plásticos espalhados em uma praia. Créditos: Education Images/Universal Images Group via Getty Images/Grist.

Desde meados da década de 2010, uma segunda onda de indignação antiplástico estimulou a indústria de plásticos e seus grupos de lobby a promover novamente a promessa de reciclagem de plásticos – só que, desta vez, eles estão empurrando a chamada “reciclagem química“, que supostamente pode derreter o plástico em seus polímeros constituintes para que possa ser transformado de volta em novos produtos.

Embora as tecnologias de reciclagem química existam há décadas, a maioria das instalações existentes – e há apenas algumas – ainda é incapaz de criar novos produtos plásticos; elas transformam principalmente plástico em produtos químicos ou combustíveis fósseis para serem queimados.

Lew Freeman, ex-vice-presidente de assuntos governamentais da Sociedade da Indústria de Plásticos, falou para a Grist em uma entrevista no ano passado que há “sérias questões” sobre o grau em que a reciclagem química pode funcionar. “A indústria parece estar fazendo a mesma coisa que fazia há 30 e poucos anos”, disse Freeman.

Ross Eisenberg, presidente da America’s Plastic Makers – um subgrupo da organização comercial da indústria petroquímica American Chemistry Council, que absorveu o American Plastics Council em 2002 – criticou o relatório da CCI como “falho”. Em um comunicado, ele disse que [o relatório] “trabalha contra os nossos objetivos de sermos mais sustentáveis, descaracterizando a indústria e o estado atual das tecnologias de reciclagem”. Eisenberg não refutou especificamente qualquer uma das alegações feitas pela CCI.

Em resposta ao pedido da Grist por um comentário, o Instituto Vinyl não abordou qualquer das alegações do relatório, mas disse estar “comprometido em aumentar” a quantidade de cloreto de polivinila – um tipo de plástico – que é reciclado a cada ano. Até o tempo da publicação [deste artigo], a Eastman Chemical e a Exxon Mobil não responderam aos pedidos da Grist por comentários.

A CCI espera que seu relatório “estabeleça as bases” para desafios legais mais ambiciosos contra as indústrias petroquímica e de plásticos. De acordo com Alyssa Johl, vice-presidente jurídica e de consultoria geral da CCI, a maioria dos processos até agora teve como alvo os  fabricantes de produtos específicos – por exemplo, a Keurig, que enganosamente colocou o símbolo de reciclagem em [suas] cápsulas de café que não podiam ser recicladas.

Esses processos “não vão longe o suficiente”, disse Johl. Em sua opinião, os casos futuros devem atingir toda a indústria, incluindo os próprios produtores de combustíveis fósseis e suas organizações comerciais, destacando o papel integral que desempenharam na promoção da reciclagem como solução para a crise da poluição plástica.

Tais ações judiciais provavelmente serão movidas por procuradores-gerais municipais ou estaduais, disse Johl, e podem resultar em incômodo público, fraude ao consumidor, extorsão ou leis de conspiração – semelhantes a contestações legais bem-sucedidas que foram movidas contra as indústrias de tabaco e opioides.

O impulso mais promissor até agora veio do procurador-geral da Califórnia, Rob Bonta, que em 2022 começou a investigar empresas de combustíveis fósseis e de produtos químicos pelo papel no qual ele chamou de “campanha agressiva para enganar o público” sobre a viabilidade da reciclagem de plásticos. Essa investigação está em andamento.

Artigo original (em inglês) publicado por Joseph Winters na Grist. Assine a newsletter semanal da Grist aqui.

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